Medicina

Abordagem "antecipa" em 200 dias a hipertensão pulmonar

Ferramenta automatizada identifica pacientes com risco, padroniza cálculos e agiliza o encaminhamento para avaliação especializada. Com a revelação, é possível prevenir o agravamento da doença e prescrever um tratamento mais eficiente

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Mesmo em pacientes com sintomas vagos, como fadiga e falta de ar, nova abordagem de triagem detecta enfermidade com 200 dias de antecedência  -  (crédito: Freepik)
Mesmo em pacientes com sintomas vagos, como fadiga e falta de ar, nova abordagem de triagem detecta enfermidade com 200 dias de antecedência - (crédito: Freepik)
postado em 07/07/2025 05:45

Uma nova abordagem de triagem desenvolvida por médicos da Escola de Medicina Lewis Katz, da Universidade Temple (Arizona, EUA), detecta com 200 dias de antecedência a hipertensão arterial pulmonar (HAP), uma forma de insuficiência cardíaca com risco de vida relacionada à pressão alta na circulação pulmonar. A revelação ocorre mesmo diante de sintomas vagos, como fadiga e falta de ar. A pesquisa publicada no American Heart Journal, demonstrou que a ferramenta de triagem por ecocardiografia virtual (VEST), quando incorporada ao sistema de prontuário eletrônico (EMR), pode gerar escores de risco precisos para HAP — sem a necessidade de cálculos manuais demorados. A tecnologia representa um avanço no campo da medicina vascular pulmonar.

"Nossa ferramenta VEST baseada em EMR demonstrou alta precisão na identificação de indivíduos com probabilidade de apresentar HAP", ressaltou a cardiologista Anjali Vaidya, professora da Faculdade de Medicina Lewis Katz e codiretora do Programa de Hipertensão Pulmonar Avançada do Hospital Universitário Temple. Para ela, essa inovação pode transformar o tratamento da insuficiência cardíaca relacionada aos vasos pulmonares: "Ao incorporar uma ferramenta de triagem simples, porém poderosa, aos fluxos de trabalho hospitalares diários, a HAP pode ser detectada precocemente, quando o tratamento tem maior chance de sucesso".

Em pesquisas anteriores, a pontuação VEST foi aplicada a dados ecocardiográficos para calcular a pressão na artéria pulmonar e identificar alterações cardíacas, que indicam a necessidade de exames adicionais. Os resultados mostraram que a maioria dos pacientes obteve escores positivos mais de 200 dias antes de serem encaminhados a centros especializados para diagnóstico e tratamento da HAP. Quando, finalmente, avaliados por especialistas, muitos estavam em estágio avançado da doença, com alto risco de mortalidade.

No estudo mais recente, a equipe de Vaidya testou o algoritmo VEST baseado em prontuário eletrônico em quase 5 mil pacientes submetidos a ecocardiograma. As pontuações calculadas automaticamente foram comparadas com as obtidas por cálculo manual. Ambos os métodos mostraram resultados consistentes. Em seguida, os indivíduos com pontuação elevada foram avaliados para verificar se haviam sido encaminhados a um centro especializado ou se haviam realizado cateterismo cardíaco direito, considerado padrão-ouro para o diagnóstico da HAP.

Especialista

"Entre os pacientes de maior risco sinalizados pela ferramenta, o grau de HP era grave, mas um terço nunca havia sido encaminhado a um especialista em HP", destacou Vaidya. Quando os pacientes foram devidamente encaminhados, quase todos receberam confirmação diagnóstica e foram tratados, o que reforça o papel do VEST como facilitador de encaminhamentos oportunos e potencialmente salvadores. A expectativa, segundo ela, é que a adoção em larga escala do VEST permita diagnósticos mais precoces, com impactos diretos na sobrevida e qualidade de vida de pessoas com HAP.

O médico cardiologista Fabricio da Silva, mestre em ciências médicas, CEO e sócio-fundador da Amplexus e Cofundador da Clínica CER, em Formosa (GO), avalia que a ferramenta representa um avanço relevante para a prática clínica. "O VEST é um software desenvolvido para integrar o ecocardiograma à análise de medidas da pressão na artéria pulmonar. Quando observamos elevações nessa pressão, podemos levantar a hipótese de hipertensão pulmonar — uma síndrome que pode ter causas primárias ou secundárias, e que pode evoluir com insuficiência cardíaca associada."

Fabricio da Silva explica que, atualmente, a estimativa da pressão da artéria pulmonar pelo ecocardiograma é realizada manualmente, por meio de medições das válvulas cardíacas e fluxos sanguíneos. "Embora não seja um cálculo complexo ou extremamente demorado, ele exige atenção e conhecimento técnico. O VEST vem justamente para agilizar esse processo, automatizando essas estimativas e proporcionando mais rapidez na análise."

De acordo com o especialista, a principal vantagem do software está na otimização do tempo e na padronização dos cálculos. "Isso pode reduzir erros e aumentar a sensibilidade na detecção precoce de possíveis casos de hipertensão pulmonar. Isso permite encaminhar o paciente com suspeita para uma avaliação especializada de forma mais eficiente", disse.  "É importante destacar que, apesar de trazer avanços em termos de tecnologia e agilidade, o VEST ainda não representa uma revolução nos resultados clínicos quando comparado ao ecocardiograma convencional. Ele não substitui a análise médica criteriosa, mas complementa e facilita o diagnóstico."

Com potencial de padronização de protocolos, otimização de fluxos clínicos e suporte à tomada de decisão, o VEST representa um passo importante para antecipar diagnósticos e qualificar o atendimento em cardiologia pulmonar. Ao automatizar cálculos antes manuais, o software aproxima a medicina de precisão da rotina hospitalar, sem excluir a análise médica, mas aprimorando-a. Sua expansão para outros centros pode contribuir para uma mudança significativa na linha de cuidado de pacientes com hipertensão pulmonar, promovendo sobrevida, agilidade e eficiência no sistema de saúde.

*Estagiária sob supervisão de Renata Giraldi

TRÊS PERGUNTAS PARA...

DÉBORA DUARTE, cardiologista do Hospital Anchieta de Taguatinga 

Antecipar em mais de 200 dias o diagnóstico de HAP, como a senhora avalia essa ferramenta em relação ao modelo tradicional de triagem?

É um avanço significativo. Em doenças como a hipertensão arterial pulmonar, condição que precisa ter seu diagnóstico precoce com identificação da etiologia (causa) para correto tratamento, antecipar esse processo em mais de 200 dias é um ganho clínico enorme. Isso mostra que o modelo tradicional, por mais competente que seja, pode se beneficiar de soluções tecnológicas que otimizam a triagem e reduzem o tempo até o início do tratamento. É um exemplo claro de como a medicina de precisão e a saúde digital podem transformar o cuidado em áreas críticas como a cardiologia.

Doutora Débora Duarte cardiologista do Hospital Anchieta
Débora Duarte, cardiologista do Hospital Anchieta (foto: Arquivo pessoal)

Essa tecnologia está expondo um “gap” perigoso entre os exames solicitados e os pacientes efetivamente acompanhados. A medicina atual está, de certa forma, “vendo” sem realmente “enxergar”?

Sim, esse é um ponto importante a ser analisado. A medicina atual produz e recebe uma enorme quantidade de dados, que muitas vezes não são aplicados em ações clínicas diretas. Seja por questão de prioridade de diagnóstico (por exemplo, diagnosticar insuficiência cardíaca e valvopatias - condições que podem resultar na hipertensão pulmonar) ou por escassez de tempo de análise detalhada desses dados recebidos. Ferramentas e tecnologias como a VEST auxiliam nessa análise e descatam informações valiosas auxiliando na tomada de decisão e impactando no desfecho clínico do paciente.

Na prática, o que impede hoje um hospital público brasileiro de implementar algo como o VEST?

Isso mostra o poder da tecnologia como ferramenta de apoio à prática médica. O algoritmo não substitui o médico, mas complementa sua atuação ao identificar padrões de risco de forma rápida e precisa. Em um cenário de sobrecarga assistencial, ele atua como um “filtro inteligente” que ajuda a direcionar atenção para os casos mais graves. O fato do VEST ter identificado riscos com tanta antecedência comprova que, quando bem aplicados, os algoritmos podem aumentar a eficiência diagnóstica e salvar vidas. Os hospitais públicos brasileiros, na maioria das vezes, enfrentam desafios de gestão importantes, onde até o básico, como exames e medicamentos, nem sempre é garantido. Então, o investimento em inovação tecnológica acaba sendo deixado para um plano secundário. Ainda assim, é importante descartar que o avanço tecnológico na medicina não deve ser ignorado pelo serviço público, já que aumenta a eficácia diagnóstica contribuindo para um tratamento mais precoce e eficiente, evitando reinternações e desfechos desfavoráveis.

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