
Esqueça o sofá convencional e o aparador comportado. Nas casas em que a imaginação comanda a decoração, balanços pendem do teto da sala, escorregadores cortam corredores e objetos comuns ganham nova vida como peças centrais. Esses elementos inusitados, mais do que tendência estética, refletem o desejo de viver em espaços mais afetivos, lúdicos e com histórias para contar, tudo isso sem abrir mão da funcionalidade.
Balanços no meio da sala, cantinhos de leitura suspensos, cerâmicas trazidas de viagens, quadros feitos com objetos pessoais de entes queridos: longe de serem apenas excentricidades, essas escolhas revelam um novo olhar sobre o morar — mais afetivo, criativo e conectado à essência de quem habita cada ambiente.
"Objetos com memória ou com alguma história particular sempre funcionam muito bem — são eles que quebram a frieza de um ambiente 'certinho' demais", acredita Felipe Zorzeto, designer de mobiliário. Para ele, não é sobre colocar uma peça diferente por colocar, mas, sim, sobre contexto e conexão. "O segredo está em entender a casa e quem vive nela. O objeto precisa conversar com o espaço e com a vida do morador, não ser só um enfeite. Quando isso acontece, ele deixa de ser apenas decorativo e passa a ser afetivo."
A estética da imperfeição e da memória ganha força justamente por tornar o ambiente único, irreproduzível. "Gosto quando um móvel carrega as marcas do tempo: sinais de uso, pequenas imperfeições que contam histórias silenciosas. É curioso perceber como um objeto produzido décadas atrás pode dialogar tão bem com a vida contemporânea", acrescenta Felipe.
Lúdico com intenção
Se há um tipo de objeto que chama a atenção pela ousadia é o balanço na sala. E ele tem feito cada vez mais parte dos pedidos dos clientes da designer de interiores Aline Silva, da InteriorAS Desin. "A inclusão de objetos inusitados em ambientes internos vai muito além da estética. Claro que eles conferem um ar divertido e criativo, mas, principalmente, revelam o desejo de resgatar sensações lúdicas, de liberdade e afeto", explica. "É uma forma de quebrar a rigidez dos padrões e reforçar que a casa pode — e deve — ser um lugar leve, descontraído e com a cara dos moradores."
Segundo Aline, há um movimento claro de transformar o lar em um espaço de experiências. "Tenho percebido um aumento na procura, principalmente entre clientes mais jovens ou aqueles com filhos pequenos. Ultimamente, balanços de corda, escorregadores integrados em quartos infantis e até redes na sala viraram os queridinhos da vez", conta. Uma das tendências que tem ganhado espaço nos projetos é o cantinho de leitura suspenso — cápsulas aconchegantes nas quais se pode relaxar e escapar do ritmo da rotina.
Segurança
Mas toda essa criatividade precisa ser acompanhada de técnica e responsabilidade. Antes de instalar uma rede ou um balanço, é essencial fazer uma avaliação estrutural. "O ideal é contar com a ajuda de um engenheiro ou profissional capacitado para avaliar se o local aguenta o peso. Normalmente, usamos vigas ou lajes de concreto bem firmes. Não dá para sair furando o teto sem saber o que tem ali", alerta Aline.
Além da estrutura, a circulação e o uso do espaço também entram na equação. "Às vezes, o cliente quer um balanço, mas o espaço é pequeno e a circulação vai ficar comprometida. Aí pensamos juntos em alternativas — um modelo mais compacto, uma peça removível ou até um objeto decorativo com essa linguagem lúdica, mas mais funcional", exemplifica.
Na cozinha ou no banheiro, ambientes que exigem atenção à umidade e à praticidade, também é possível ousar. "Dá para trazer um objeto inesperado, como uma luminária antiga sobre a bancada ou um quadro que, normalmente, estaria na sala. O importante é garantir que a peça não atrapalhe o fluxo nem a limpeza", explica Felipe. No lavabo, aliás, ele vê um campo fértil para a criatividade: "É um dos poucos lugares onde o visitante fica sozinho, o que abre espaço para ousar e surpreender".
Memória afetiva
Para além das peças lúdicas, há também um carinho especial por itens comuns ressignificados com afeto. Felipe cita um projeto marcante: "Um quadro emoldurado com pertences de um ente querido da família — óculos, uma caneta, um chaveiro. A peça virou um lembrete silencioso e afetuoso daquela presença".
Outro exemplo? Pratos pendurados na parede como se fossem obras de arte. "Muitos vêm de viagens ou têm valor sentimental, e quando bem compostos, trazem cor, textura e histórias ao ambiente", conta. Até uma câmera analógica antiga, apoiada na mesa de centro, pode despertar conversas e emoções. "Esses pequenos gestos tornam a casa única, cheia de camadas e significados", resume.
No fim das contas, ousar na decoração não é sobre exagero, mas sobre intenção. "O diferente não pode virar um problema, e sim uma solução criativa que soma à funcionalidade do ambiente", diz Aline. "Ousadia não precisa ser sinônimo de exagero. Às vezes, um único elemento bem escolhido já traz personalidade sem comprometer a praticidade."
*Estagiária sob a supervisão de Sibele Negromonte