
Caso Jair Bolsonaro seja condenado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) com as penas máximas dos crimes que lhe são imputados pela Procuradoria-Geral da República, ele pode pegar mais de 40 anos de prisão. De acordo com a PGR, nas alegações finais entregues segunda-feira, a tentativa de golpe pela qual o ex-presidente responde seguiu um planejamento progressivo de ataque às instituições democráticas, cujos movimentos passaram pela campanha de descrédito às urnas eletrônicas, pelo ataque permanente ao STF e ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e culminaram com o uso da máquina pública para impedir a alternância de poder nas eleições de 2022.
Para a PGR, Bolsonaro é o líder da organização golpista, seu maior articulador e principal beneficiário. O procurador-geral Paulo Gonet dedicou 137 páginas (de um total de 517) das alegações ao ex-presidente e imputou-lhe cinco crimes: organização criminosa, tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, golpe de Estado, dano qualificado pela violência ou grave ameaça, e deterioração de patrimônio tombado (leia mais abaixo as tipificações e os artigos aos quais pertencem).
Segundo Gonet, os golpistas deixaram um rastro de provas documentais contra eles mesmos. "A organização criminosa documentou a quase totalidade das ações narradas na denúncia, por meio de gravações, manuscritos, arquivos digitais, planilhas e trocas de mensagens eletrônicas, tornando ainda mais perceptível a materialidade delitiva", afirmou.
A PGR atribui a Bolsonaro a abolição do Estado de Democrático de Direito por meio de, entre outras manobras, desacreditar o sistema eleitoral e estimular uma intervenção militar. Daí por que é considerado o chefe do esquema.
"Principal articulador, maior beneficiário e autor dos mais graves atos executórios voltados à ruptura do Estado Democrático de Direito", acusa Gonet.
Bolsonaro usou a Presidência para promover o golpe, observa a PGR. "No exercício do cargo mais elevado da República, instrumentalizou o aparato estatal e operou, de forma dolosa, esquema persistente de ataque às instituições públicas e ao processo sucessório", salienta a alegação, em certo trecho, para acrescentar:
"Os ataques promovidos por Jair Bolsonaro não se restringiram à utilização isolada de canais pessoais. Ao revés, o réu fez uso da máquina pública e de recursos públicos, mobilizando agentes e estruturas do Estado para disseminar dúvidas e deslegitimar o sistema eleitoral".
Além de Bolsonaro, fazem parte do Núcleo Crucial do golpe o tenente-coronel do Exército Mauro César Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro; Alexandre Ramagem, deputado federal (PL-RJ) e ex-diretor da Agência Brasileira de Inteligência (Abin); almirante Almir Garnier, ex-comandante da Marinha; Anderson Torres, ex-ministro da Justiça e ex-secretário de segurança do Distrito Federal; general da reserva Augusto Heleno, ex-ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI); general da reserva Paulo Sérgio Nogueira, ex-ministro da Defesa; e general da reserva Walter Braga Netto, vice na chapa do ex-presidente à reeleição.
Um dos principais auxiliares de Bolsonaro na trama é Alexandre Ramagem, segundo a PGR. Ele ajudava o ex-presidente nos ataques às autoridades públicas, por meio da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), e municiou-o com dados falsos para desacreditar o Judiciário e as instituições.
Ramagem instruiu Bolsonaro sobre questões técnicas para atacar a lisura do pleito de 2018 — quando o ex-presidente disse ter sido eleito no primeiro turno, mas nunca apresentou provas disso. "Não se tratou, simplesmente, da reprodução das falas do ex-presidente, mas de um aperfeiçoamento malicioso do discurso, a fim de conferir à mensagem aparência de tecnicidade e influenciar negativamente a opinião pública", aponta a PGR.
Para Gonet, as lives de Bolsonaro eram municiadas por falsas teorias desenvolvidas por Ramagem. A PGR diz que houve intensa atuação dele dentro do núcleo decisório mais restrito da gestão do ex-presidente. O procurador-geral afirma que o hoje deputado preparou uma narrativa de descrédito as urnas eletrônicas, além de comandar a chamada "Abin paralela" — esquema montado para bisbilhotar desafetos do clã Bolsonaro e figuras públicas críticas ao governo.
Sem perdão
Quem também foi duramente enquadrado por Gonet é Mauro Cid. O procurador-geral pede que ele tenha a pena reduzida, mas que o perdão não seja concedido — como negociou — por ter entregado os companheiros de trama. Isso porque ele mudou várias vezes de versão e tentou obstruir as investigações, segundo consta na alegação final.
A PGR propôs reduzir a pena de Mauro Cid em 1/3, negando o perdão total, devido à colaboração considerada parcial. Gonet cita que o tenente-coronel teve comportamento contraditório, marcado por omissões e resistência das "obrigações integrais pactuadas".
"Ao lado dos benefícios trazidos à instrução processual, o comportamento do colaborador igualmente ensejou prejuízos relevantes ao interesse público e à higidez da jurisdição penal, exigindo criteriosa ponderação quanto à concessão das benesses previstas em lei", destaca a alegação.
Para Gonet, deve ser aplicado o benefício mínimo concedido pela lei aos delatores. No acordo fechado pela PF, e homologado pelo ministro Alexandre de Moraes, do STF, foi acordado que Mauro Cid cumpriria apenas dois anos de prisão.
O procurador-geral sustenta que o militar adotou, em diversos momentos do processo, uma "narrativa seletiva". Citou como exemplo a resistência do militar em reconhecer a efetiva participação na trama, como aponta a PF. "Registre-se, nesse sentido, que a omissão de fatos graves, a adoção de uma narrativa seletiva e a ambiguidade do comportamento prejudicam apenas o próprio réu, sem nada afetar o acervo probatório desta ação pena", observa Gonet.
Delitos, tipificações e penas previstas para o Núcleo Central
» Organização criminosa — Art. 2º, caput, §§2º, 3º e 4º, II, da Lei 12.850/2013 . Tipificação do crime: ocorre quando quatro ou mais pessoas se associam, de forma estruturada e com divisão de tarefas, para cometer crimes. Pena: de três a oito anos de prisão, podendo chegar a 17 anos se houver emprego de arma de fogo ou participação de funcionário público.
» Tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito — Art. 359-L do Código Penal Tipificação do crime: consiste em tentar, com emprego de violência ou grave ameaça, abolir ou restringir o funcionamento do Estado Democrático de Direito. Pena: de quatro a oito anos de prisão
» Golpe de Estado — Art. 359- M do Código Penal Tipificação do crime: tentativa de derrubar um governo legitimamente constituído por meio de violência ou grave ameaça. Pena: de quatro a 12 anos de prisão.
» Dano qualificado pela violência ou grave ameaça — Art. 163, parágrafo único, I, III e IV, do Código Penal Tipificação do crime: ocorre quando alguém destrói, inutiliza ou deteriora coisa alheia utilizando violência física ou ameaças graves como meio para a prática do delito. Pena: de seis meses a três anos de prisão.
» Deterioração de patrimônio tombado — Art. 62, I, da Lei 9.605/1998 Tipificação do crime: ocorre quando alguém destrói, inutiliza ou deteriora bens especialmente protegidos por lei, ato administrativo ou decisão judicial. Pena: de um a três anos de prisão.
1) É importante ressaltar que os crimes e as penas mencionadas são as máximas previstas em lei. A decisão sobre a condenação e a dosimetria da pena, em caso de culpa, caberá ao Supremo Tribunal Federal (STF), levando em consideração diversos fatores, como antecedentes, idade e as circunstâncias de cada crime.
2) Sobre o deputado Alexandre Ramagem (PL-RJ), a Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) suspendeu a Ação Penal 2.668 exclusivamente quanto aos crimes supostamente praticados após a diplomação: dano qualificado pela violência e grave ameaça contra o patrimônio da União e com considerável prejuízo para a vítima e deterioração de patrimônio tombado. A suspensão foi por unanimidade. Isso porque a Câmara “resolveu pela sustação da ação penal decorrente do recebimento da denúncia contida na Petição nº 12.100, em curso no Supremo Tribunal Federal”. De acordo com a Constituição (artigo 53, parágrafo 3º), após o recebimento de denúncia contra senador ou deputado por crime ocorrido após a diplomação, o andamento da ação pode ser suspenso pelo voto da maioria dos integrantes da Câmara ou do Senado.
3) Além dos crimes relacionados à tentativa de golpe de Estado, Bolsonaro também foi alvo de outros inquéritos da Polícia Federal (PF). Ele foi indiciado por: A) fraude no cartão de vacinação da covid-19: neste caso, ele foi indiciado por associação criminosa e inserção de dados falsos em sistemas de informação. B) caso das joias sauditas: indiciamento por associação criminosa, lavagem de dinheiro e apropriação de bens públicos.