
Edna Velho — presidente da seccional Brasília do Sindicato dos Funcionários do Banco Central
O ataque hacker aos sistemas informatizados envolvidos nas operações do Pix levou ao desvio estimado de R$ 800 milhões e trouxe à tona divergências que envolvem a aprovação da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) número 65/2023, comumente chamada de PEC da autonomia do Banco Central (BC). A proposta, para conceder autonomia financeira e orçamentária à instituição, hoje autarquia federal, altera a sua natureza para pessoa jurídica de direito privado.
Houve quem tenha se apressado em levantar suspeitas sobre a higidez dos sistemas do BC e dos procedimentos por ele efetuados, apontando como causas das supostas fragilidades a falta de recursos financeiros e de pessoal enfrentadas pela autarquia. A aprovação da PEC 65/2023, para seus defensores, constituiria condição sine qua non para incrementar a segurança do Pix, a qual hipoteticamente estaria em risco.
Acontece que a C&M Software já admitiu que o ataque foi efetuado às próprias infraestruturas por meio de suas credenciais, o que permitiu aos criminosos acessarem indevidamente informações e contas de reserva de instituições financeiras. A C&M é uma das empresas homologadas pelo BC para atuar na mensageria para pequenas e médias instituições financeiras, servindo de ponte entre elas e os sistemas Pix. Portanto, ela presta serviços a instituições que não apresentam a estrutura exigida pelo BC para operar diretamente no Sistema de Pagamentos Brasileiro (SBP). O ataque permanece sob investigação da Polícia Federal, e o primeiro suspeito já foi preso.
Ataques de hackers estão cada vez mais frequentes, tanto que o risco cibernético e de segurança da informação vem sendo considerado como inerente a todo e qualquer negócio. Um dos maiores níveis de sofisticação desses ataques consiste em atuar por meio do aliciamento de funcionários das empresas-alvo e dos seus prestadores de serviços terceirizados, como parece ter sido o caso em questão.
Restrições financeiras e de pessoal não impedem os servidores de exercer sua função com responsabilidade e rigor, exigindo das instituições o cumprimento de quesitos robustos o suficiente para conferir qualidade e segurança nos serviços prestados aos cidadãos. O Pix é reconhecido internacionalmente e vem sendo estudado por bancos centrais estrangeiros, a fim de implantar solução semelhante em seus países.
Diferentemente daqueles que entendem que o evento criminoso se deu em razão da falta de recursos por parte do Banco Central e enxergam a PEC 65/2023 como única medida resolutiva; a maioria dos servidores discorda de tais alegações e as considera temerárias: ao se tornar uma corporação de direito privado, o Banco Central passará a adotar uma visão empresarial, o que pode prejudicar sua atuação enquanto executor de políticas públicas.
A PEC 65 deve ser entendida como um passo à desestatização da autoridade monetária. Em relação ao Pix, a lógica de mercado imposta pela PEC tende a levar à cobrança de taxas, tirando do serviço seu enorme poder de inclusão financeira. Além disso, a PEC abre flancos à concessão da gestão do Pix ao setor privado, representando uma ameaça às conquistas alcançadas por meio do Pix.
Com a reforma proposta pela PEC 65/2023, o Banco Central, como entidade de direito privado, perderá sua supremacia em relação aos seus fiscalizados, trazendo riscos à legitimidade jurídica de sua atuação. Suas funções de regulação, fiscalização e resolução poderão ser seriamente prejudicadas. Além disso, os servidores passarão a ser funcionários regidos pela CLT e perderão as garantias constitucionais de estabilidade no cargo, podendo ser substituídos por recursos humanos menos custosos. Isso acarreta na fragilização do Estado brasileiro, tornando-o mais suscetível a pressões indevidas e à perda de qualidade.
Os servidores do Banco Central entendem que maior autonomia administrativa, financeira e orçamentária é bem-vinda, entretanto, são contrários à forma como se pretende concedê-la, dado que traz consigo riscos relevantes que não compensam os supostos benefícios. Em resumo: a PEC 65 é uma escolha imprudente, e há outros caminhos, bem menos aventureiros, a se trilhar.
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