
Um furto de cabos na Zona Norte do Rio deixou as delegacias da Cidade da Polícia sem energia em janeiro deste ano. Devido ao apagão, o complexo que abriga unidades especializadas da segurança pública fluminense teve, inclusive, dificuldades para investigar o caso. Ao mesmo crime foram atribuídos um blecaute no Hospital do Paranoá, no Distrito Federal, em março, e o não fornecimento de água para mais de 100 bairros de Belo Horizonte no mês seguinte. Nesse último episódio, uma unidade de captação da companhia de saneamento mineira foi alvo dos bandidos.
Relatos como esses são cada vez mais comuns nas cidades brasileiras, desafiando as autoridades de segurança pública e comprometendo a saúde de pessoas e de negócios. Em um mundo interligado e tecnológico, interrupções nos serviços de energia e telefonia têm desdobramentos com grandes proporções. Só na troca de fios, empresas tiveram um prejuízo de R$ 26 milhões em 2024, calcula a Associação Brasileira de Distribuidores de Energia Elétrica (Abradee). No mesmo período, 54 pessoas perderam a vida praticando o crime, de acordo com a Associação Brasileira de Conscientização para os Perigos da Eletricidade (Abracopel). O número é 260% maior do que o registrado 10 anos antes.
Nesse sentido, faz-se necessário que a Presidência da República sancione o projeto de lei que aumenta o tempo de prisão para furto ou roubo de cabos de energia elétrica, internet ou telefonia, aprovado na Câmara dos Deputados na semana passada. Ainda que o endurecimento de penas não seja um consenso em debates sobre segurança pública, é fato que as respostas atuais do Estado estão aquém dos impactos provocados pelos criminosos e das articulações ilegais em torno desses delitos.
Se o texto for sancionado pelo Executivo, a pena para o furto passará de um a quatro anos de prisão para dois a oito anos, envolvendo também materiais ferroviários ou metroviários. Nos roubos, a pena de quatro a 10 anos será aumentada de um terço à metade. No caso da receptação (compra, guarda, ocultação ou venda do material roubado ou furtado), o tempo de prisão, hoje de um a oito anos, vai dobrar.
Nesse ponto, torna-se também necessário o aprofundamento das investigações. Há um falso entendimento de que roubos e furtos de cabos são praticados principalmente por dependentes químicos e pessoas em situação de rua. Na verdade, mobilizam grandes organizações. Pesquisa do Fórum Brasileiro de Segurança Pública mostra que o crime organizado movimenta cerca de R$ 348 bilhões por ano no Brasil. Desse montante, 53% (R$ 186 bilhões) vêm de cibercrimes e roubos. Não é exagero afirmar que o comércio ilegal de cabos e fios faz parte desse montante.
Quem investiga, acha. Em abril, a Polícia Civil do Rio de Janeiro descobriu um esquema de furto de cabos que articulava donos de recicladoras, ferros-velhos e metalúrgicas com o Comando Vermelho. A quadrilha movimentava cerca de R$ 200 milhões no Rio e em São Paulo. Operação deflagrada em janeiro pelas polícias do DF e de Minas Gerais desbaratou um grupo que utilizava estabelecimentos de reciclagem e ferros-velhos da capital para lavar dinheiro e comercializar cobre subtraído dos cabos de energia. À época, foram bloqueados R$ 5,78 milhões em contas dos investigados.
Na tentativa de reduzir prejuízos, empresas têm recorrido a soluções tecnológicas, como marcadores que permitem rastrear os fios de cobre e outros metais subtraídos, ou substituído os materiais por alumínio, que é um material mais barato. As medidas ajudam, mas não devem onerar os serviços prestados aos cidadãos, que também são vítimas dos criminosos. Como se vê, trata-se de questão complexa, com desfalques que favorecem a criminalidade. Ao sancionar o texto, o Executivo pode desencadear um processo que melhore as práticas de enfrentamento.
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