
CESAR VICTOR DO ESPÍRITO SANTO, engenheiro florestal, conselheiro do Conama representando a Sociedade Civil da Região Centro-Oeste
A frase do título deste artigo "sensação de dever cumprido" foi proferida pelo senador Davi Alcolumbre, presidente do Senado Federal, no encerramento da sessão de 21 de maio deste ano, que aprovou o Projeto de Lei nº 2.159/2021, que institui a Lei Geral do Licenciamento Ambiental e segue para a Câmara dos Deputados. O referido projeto de lei, apelidado de PL da Devastação, contou com a aprovação de 54 senadores, com 13 votos contrários — ou seja, 80% dos presentes votaram a favor do que a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, considerou como a "desestruturação significativa do regramento existente sobre o tema e representa risco à segurança ambiental e social no país".
Outros senadores que também votaram a favor do PL da Devastação disseram, ao defender suas posições: "Vai modernizar e tornar mais claro e justo o licenciamento no Brasil"; "Vai agilizar processos e destravar milhares de obras que aguardam licenciamento"; "Vai harmonizar e simplificar o processo de licenciamento ambiental em todo o país, e isso é essencial para reduzir a burocracia e tornar mais ágil a autorização de empreendimentos"; "Vai trazer segurança jurídica" etc.
Esse projeto de lei foi analisado, artigo por artigo, por técnicos de entidades que trabalham há anos com a questão ambiental. Entre as quais, o Observatório do Clima, que o classificou como PL da Devastação. Se hoje, com a atual legislação sobre licenças ambientais, a destruição dos biomas é acelerada, imagina o que acontecerá com a flexibilização prevista.
No caso do Cerrado, que registrou um desmatamento de 1.800 hectares por dia, segundo o MAP Biomas, com a atual legislação, caso haja a aprovação do PL da Devastação, esse número chegará fácil ao dobro, ou seja, 3.600 hectares por dia. No prazo de um ano, haverá o desmatamento de cerca de 1,3 milhão de hectares, que acarretarão a morte de milhões de seres vivos. O Cerrado é reconhecido como a savana mais rica do mundo em biodiversidade, com a presença de diversas tipologias vegetais de riquíssima flora, com mais de 12 mil espécies de plantas, mais de 800 espécies de aves, mais 160 espécies de mamíferos, 150 espécies de anfíbios, 120 espécies de répteis.
São milhões de seres vivos, considerando que, para cada espécie, são milhares, milhões de indivíduos. Apenas para exemplificar o caso de uma única espécie, conforme estudos científicos desenvolvidos pela Associação Onçafari, vivem no Parque Nacional Grande Sertão Veredas e áreas adjacentes ainda preservadas, que somam pouco menos de 300 mil hectares, cerca de 30 onças-pintadas, o que dá uma média de uma onça para cada 10 mil hectares. Se anualmente foram desmatados 1,3 milhão de hectares em função da aprovação da nova lei de licenciamento ambiental, são 130 onças exterminadas por ano. No caso de lobos-guarás, que necessitam de cerca de 3 mil hectares por indivíduo, seriam cerca de 430 exterminados por ano.
Levando em conta outras espécies que são mais abundantes na natureza, como aves em geral, periquitos, papagaios, patos, entre muitas outras, serão centenas de milhares a serem exterminadas todos os anos. Considerando todos os biomas — Amazônia, Cerrado, Caatinga, Pantanal, Mata Atlântica, Pampas e Zona Costeira —, podemos dizer que, com a aprovação da nova lei ambiental, o PL da Devastação, o número chegará a milhões de plantas e animais que serão exterminados anualmente.
Pergunto: a sociedade brasileira aceitará isso? Será que não nos comoveremos com tanta matança de seres que vivem na natureza? Será porque não vemos eles no dia a dia? Se propusessem uma lei para exterminar os pets (cães e gatos, que são primos distantes de lobos e onças) que a população possui, colocando-os na frente dos correntões utilizados para desmatar o Cerrado, a população iria aceitar? Claro que não! Então, por que aceitamos que exterminem uma quantidade muito maior de onças, lobos, antas, araras, papagaios, ipês, araucárias, entre muitos outros bichos e plantas? Se a sociedade não se mobilizar e impedir que a nova lei seja aprovada na Câmara dos Deputados, é isso que acontecerá. Estaremos sendo coniventes com o extermínio de milhões de seres vivos não humanos.
Com a atual legislação, essa matança indiscriminada já acontece. Mas, de acordo com o Senado, precisamos de leis que assassinem os bichos e plantas de forma mais rápida e intensa. A "sensação de dever cumprido" do senador Alcolumbre com a aprovação da Lei Geral do Licenciamento Ambiental levará ao extermínio de milhões de bichos e plantas, será o extermínio da Amazônia, do Cerrado, de todos os biomas, será o extermínio das gerações futuras.