
GILBERTO LIMA JUNIOR, presidente do Instituto Illuminante de Inovação Tecnológica e Impacto Social, palestrante internacional
A 17ª Cúpula do Brics, realizada em 6 e 7 de julho, no Rio de Janeiro, além de celebrar os 80 anos da Organização das Nações Unidas (ONU), marcou um momento histórico na governança global da tecnologia. Pela primeira vez, a Inteligência artificial (IA) emerge como uma das três prioridades centrais da agenda, ao lado da saúde pública e das mudanças climáticas. Essa decisão reflete a determinação dos países do Sul Global em participar ativamente da definição das regras que governarão o futuro tecnológico mundial.
O Brics, originalmente formado pelos países fundadores Brasil, Rússia, Índia e China em 2009, incorporou a África do Sul em 2010. Em 2024, o bloco passou por expansão significativa com a adesão de cinco novos membros: Arábia Saudita, Egito, Emirados Árabes Unidos, Etiópia e Irã, além da Indonésia, totalizando 11 países membros. O grupo conta ainda com países parceiros como Bielorrússia, Bolívia, Cuba, Cazaquistão, Malásia, Tailândia, Uganda e Uzbequistão.
A presidência brasileira estabeleceu uma agenda focada em três temas que transcendem as tradicionais discussões econômicas: governança da IA, cooperação em saúde global e mudanças climáticas. A priorização da IA representa uma mudança paradigmática, demonstrando que os países membros compreendem que o controle sobre tecnologias emergentes será determinante para o equilíbrio de poder global.
Um possível pacto, abrangeria múltiplas dimensões: princípios éticos para desenvolvimento responsável, limites para uso militar da IA, mecanismos para distribuição equitativa dos benefícios tecnológicos e diretrizes para robótica e automação considerando impactos no trabalho.
Mas como os países têm regulamentado esse tema? O cenário regulatório da IA nos países do Brics apresenta abordagens diversificadas. A China lidera em maturidade regulatória, tendo aprovado em 2023 as "Medidas Provisórias para o Gerenciamento de Serviços de IA Generativa", tornando-se pioneira na regulação de tecnologias como ChatGPT. A Rússia avançou com marcos focados em segurança nacional e soberania tecnológica. A Índia adotou abordagem pragmática com diretrizes setoriais, enquanto a África do Sul integra a regulação de IA com políticas de inclusão social.
O Brasil encontra-se em momento crucial. O Projeto de Lei nº 2.338/2023, que estabelece o marco regulatório da IA, foi aprovado pelo Senado em dezembro de 2024, e tramita na Câmara dos Deputados. Fato é que todos os países-membros reconhecem a urgência de um pacto multilateral. A ideia predominante aponta para a criação de um “framework” global similar ao controle de armamentos nucleares. Assim como o Tratado de Não Proliferação Nuclear estabeleceu um regime internacional para armas nucleares, a IA exige coordenação internacional urgente para regular desde aspectos éticos cotidianos até aplicações militares ou ataques cibernéticos.
Riscos e oportunidades geopolíticas — O estágio atual da Inteligência artificial avança rapidamente para o possível patamar de uma Inteligência artificial Geral (AGI). Ela introduz dimensão completamente nova nas relações geopolíticas. Diferentemente de tecnologias anteriores, a AGI tem potencial de criar descontinuidade histórica que poderia redefinir, fundamentalmente, o equilíbrio de poder mundial. Os riscos incluem concentração de poder sem precedentes, dependência tecnológica acentuada para países em desenvolvimento e uso para vigilância e controle social.
A Cúpula do Rio demonstra que os países do Sul Global não aceitarão passivamente um futuro tecnológico definido exclusivamente pelos países desenvolvidos. Querem ser protagonistas, garantindo distribuição equitativa dos benefícios da revolução da IA e gestão colaborativa dos riscos. O sucesso da agenda do Brics dependerá da capacidade de traduzir discussões em ações concretas: marcos regulatórios harmonizados, cooperação técnica, compartilhamento de dados e coordenação de políticas que sirvam como modelo global.
Como observou Victor Hugo, "o futuro tem muitos nomes: para os fracos, é o impossível; para os temerosos, o desconhecido; para os valentes, é a oportunidade". A Cúpula do Brics demonstra que seus países membros escolheram ser valentes, encarando o futuro da IA como oportunidade a ser moldada coletivamente para o benefício de toda a humanidade”.