Artigo

O Brasil não tem vocação para ser quintal

Ainda que incomparáveis, Lula e Trump não dão sinais de que vão segurar a língua, embora recuos sejam esperados. O risco é sempre esticar a corda ao ponto do não retorno

Lula critica Trump -  (crédito: EVARISTO SA / AFP e ALEX WONG / GETTY IMAGES NORTH AMERICA / Getty Images via AFP)
Lula critica Trump - (crédito: EVARISTO SA / AFP e ALEX WONG / GETTY IMAGES NORTH AMERICA / Getty Images via AFP)

 "Alguma coisa está fora da ordem". O refrão da música soa bem apropriado para resumir o tema que dominou o noticiário nos últimos dias. O torpedo do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, que decidiu impor um tarifaço aos produtos brasileiros a partir de 1º de agosto, poderia parecer um enredo ficcional, uma trama arquitetada em um mundo onde não há regras e acordos internacionais acertados, assinados, regulados por instituições e organismos, respeitados pela maioria dos países.

Mas o estranho mundo de Trump, baseado em vontades, arroubos e chantagens, não é distópico. Tampouco é uma criação fundamentada apenas numa visão colonialista do resto do planeta. Há interesses e motivos reais para atos aparentemente injustificáveis. O absurdo da ofensiva do presidente americano não atende somente aos apelos da família Bolsonaro. O fato é que o presidente Lula incomoda; o protagonismo do Brasil no Brics e na COP30 perturba; as vozes do Brasil sobre a regulação das big techs aborrecem.

O que Trump fez está na cartilha da extrema-direita, conforme fala abertamente o estrategista da direita global Steve Bannon. Mexer no bolso do brasileiro, em especial das empresas brasileiras, como retaliação por decisões judiciais que envolvem Bolsonaro, e atacar o Supremo Tribunal Federal são atitudes consideradas não apenas plausíveis, mas também legítimas para Trump e seus afetos. Como era de se esperar, Lula não ficaria calado. Com ou sem crise diplomática, o silêncio não seria uma opção do presidente. Apesar das recomendações de especialistas, entre eles o embaixador do Brasil nos EUA e no Reino Unido, Rubens Barbosa, atual presidente do Instituto de Relações Internacionais e Comércio Exterior, que, em entrevista a Renata Giraldi do Correio, assinalou: "O assunto é técnico; politizar é erro".

A defesa do diálogo para contornar a crise é o pano de fundo dos discursos políticos internos, o que não evita o uso da situação para agravar as tensões com acusações de todo lado. Até onde e até quando tudo isso vai reverberar? Talvez não haja fim próximo ou previsível. Ainda que incomparáveis, Lula e Trump não dão sinais de que vão segurar a língua, embora recuos sejam esperados. O risco é sempre esticar a corda ao ponto do não retorno. 

Por aqui, seguimos dando voz a especialistas e atores políticos, além de fazer análises, para tentar compreender e explicar aos leitores o que está em jogo, os contextos e os cenários que se apresentam. A COP30 — que tratará para o centro da discussão mundial o agravamento da crise climática — pede passagem. O jornalismo segue essencial para proteger a democracia e também a soberania. O Brasil já deu provas da força de suas instituições e não tem vocação para ser quintal. 

 

postado em 13/07/2025 06:00 / atualizado em 13/07/2025 10:54
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