Opinião

A religião ainda importa?

Ela importa enquanto conjunto de valores e ações propulsoras no mundo da vida. Ela não importa quando se trata de aceitar e acolher diferentes formas de existir no mundo, religiosas e/ou não religiosas

"A religião exerce influência profunda na humanidade, moldando culturas, comportamentos e valores" - (crédito: Maurenilson Freire)

MARTA HELENA DE FREITAS, Professora doutora, coordenadora do Laboratório de Religião, Saúde Mental e Cultura na Universidade Católica de Brasília (UCB)

Assistimos aos impactos mundiais da morte do papa Francisco e da eleição do novo papa Leão XIV. Foi pelo WhatsApp que me chegaram as primeiras notícia e reações:"Triste perda, liderança rara, nesses tempos feios"; "Independentemente da religião, todos admitem sua força, coragem, humildade e defesa dos pobres"; "Um líder, sempre em favor dos pobres, dos Palestinos, imigrantes... chorei, viu?".

As reações, algumas céticas outras não necessariamente católicas, comungam entre si o sentimento de perda diante da morte de alguém que as representava, de algum modo, por buscar realizar um sentido de vida, de humanidade, de valores em prol de um mundo melhor. Daí a pergunta: será que a religião ainda importa?

Há dois modos de se pensar uma possível resposta. De um lado, o peso das religiões no mundo contemporâneo. Eís a resposta oferecida por um aplicativo de inteligência artificial (IA): "Sim, a religião exerce influência profunda na humanidade, moldando culturas, comportamentos e valores. Ela oferece sentido à vida, esperança e estrutura moral que orienta as ações dos indivíduos e comunidades. Além disso, a religião pode ser fonte de conforto, paz e comunidade para milhões de pessoas."

Como pesquisadora em psicologia da religião há tantos anos, não posso discordar dessa resposta, por mais críticas que eu tenha à mera busca de definições dadas por IA, em vez de se ir beber em fonte cristalina, referências acadêmicas e científicas. Mas, nesse caso, meu critério de validação da resposta é o mundo da vida, que pode estar aquém ou além da ciência objetiva. Se fosse desvalidar a resposta via julgamento prévio, e negativo, contra respostas dadas por IA, sem preocupações mais genuínas voltadas ao mundo da vida ou baseadas nos conhecimentos sobre o assunto, estaria simplesmente enviesada por "dogma" ou "doutrina" prévia.

No caso do papa Francisco, ainda que ele fosse oficialmente o principal líder, autoridade sagrada, representante da Igreja Católica, o que ele impulsionou de sentido no mundo da vida foi para muito além da própria Igreja, chegando a ser amado até pelos que se declaram ateus e/ou críticos do cristianismo. O mundo da vida validou sua influência, que ultrapassou muros de sua própria religião. Isso nos remete ao segundo aspecto embutido na pergunta: será que importa mesmo a religião ou o que importa é o que a pessoa é independentemente de sua religião?

As diversas religiões promovem formas específicas de ser, ver e ler o mundo, alimentam valores e baseiam-se em crenças e dogmas compartilhados por uma doutrina e, com isso, orientam ações variadas. Mas, quando essa diversidade se dá a preço de se desqualificar a alteridade, instala competições e violências, redundando em ações destrutivas que desvalidam as religiões para além do terreno que as comporta ou mesmo dentro do próprio nicho. Assim, a resposta para a questão de se a religião ainda importa é: sim e não. Ela importa enquanto conjunto de valores e ações propulsoras no mundo da vida. Ela não importa quando se trata de aceitar e acolher diferentes formas de existir no mundo, religiosas e/ou não religiosas.

A postura aberta ajuda a pensar e a compreender o quanto importa o perfil do novo papa. E aqui, de novo, compartilho impressões de colegas pesquisadores em psicologia: "Temos um novo papa e um papa novo, com 69 anos. Vitalidade para lidar com o que o espera!"; "Primeiro papa norte-americano, mas agostiniano, concilia tradição, apostolado, sensibilidade, missão social"; "Tem o nome de Leão XIV, mesmo nome de grandes reformadores e pacificadores da Igreja e também do discípulo mais fiel e secretário de São Francisco"; "Momento de esperançar: depois da perda de um grande líder, temos outro comprometido em fazer pontes".

De minha parte, gosto de ver o sorriso aberto estampado nas fotos de Robert Francis Prevost. Um sorriso que se estende para além da boca, alcança toda a face e ilumina os olhos. Ali se mostra claramente onde a religião importa e onde não importa. Se o cristianismo o fez essa pessoa que sorri com os olhos, esse seu sorriso também estampa um acolhimento que o ultrapassa.

 


postado em 11/05/2025 06:00
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