SÃO PAULO

Cracolândia sumiu? O que se sabe da dispersão de principal ponto do 'fluxo' em SP

O esvaziamento da região no centro de São Paulo foi comemorado por autoridades como sinal de avanço nas ações integradas de segurança pública e assistência social

Coronel Mello Araújo parabenizou forças de segurança do Instagram -  (crédito: Reprodução)
Coronel Mello Araújo parabenizou forças de segurança do Instagram - (crédito: Reprodução)

Na manhã de terça-feira (13/05), a imagem da região da Cracolândia esvaziada chamou a atenção. O cenário era atípico na rua dos Protestantes, na Santa Ifigênia — ponto que concentrava centenas de usuários.

O esvaziamento da região no centro de São Paulo foi comemorado por autoridades como sinal de avanço nas ações integradas de segurança pública e assistência social.

O vice-prefeito de São Paulo, Coronel Mello Araújo (PL), fez uma série de publicações no Instagram parabenizando a atuação de agentes da Guarda Civil Metropolitana (GCM) e demais forças de segurança na Cracolândia pela diminuição do "fluxo" de usuários de drogas.

Nas publicações, o vice-prefeito afirma que "a imprensa está inconformada porque não há dependentes químicos" e que "estamos vencendo essa guerra".

Print de stories do vice-prefeito coronel Mello Araújo.
Reprodução
Coronel Mello Araújo parabenizou forças de segurança do Instagram

O secretário da Segurança Pública de São Paulo, Guilherme Derrite, também comemorou as imagens nas redes sociais.

"Quem já viu esse ponto da Rua dos Protestantes antes se impressiona com essa imagem de hoje", afirmou.

"Prendemos as principais lideranças do tráfico de drogas no centro de São Paulo. Desmascaramos pensões e hotéis que serviam de pontos de distribuição de entorpecentes e para lavagem de dinheiro do PCC, que explorava o vício de dependentes químicos. A droga parou de chegar, fazendo com que o centro de São Paulo deixasse de ser um ponto interessante para a criminalidade."

Já o prefeito Ricardo Nunes (MDB) se mostrou surpreso com as imagens. Quando questionado pela TV Globo sobre o "sumiço" do fluxo, ele disse que "ainda está tentando entender o episódio" e que não dá para dizer que o problema da Cracolândia está resolvido.

"Surpreendeu a prefeitura. Mas, obviamente, a gente já vinha reduzindo gradativamente. Todos os dias vinha reduzindo a quantidade de pessoas lá. As pessoas indo para tratamento, voltando para os seus Estados, as pessoas aceitando a internação", diz o prefeito, que também mencionou como possíveis a demolição de imóveis na favela do Moinho.

'Lógica da pancada'

Movimentos que acompanham a situação da região há anos, como o Craco Resiste, contestam a narrativa oficial.

O atual "fluxo" ficava em uma área entre as ruas dos Protestantes e dos Gusmões, cercadas por um muro de cerca de 40 metros de extensão, construído pela prefeitura em janeiro deste ano. Na época, a Defensoria Pública afirmou que o local era um "curral humano".

"Essa história de 'sumiço' é uma grande mentira. O que desapareceu aqui foram os direitos", afirma Marcel Segalla, integrante da Craco Resiste, que respondeu à BBC News Brasil enquanto estava no local. Segundo ele, usuários continuam dispersos na região central.

"As pessoas estão sendo espancadas e empurradas como animais, de um lado para o outro. Estamos localizando essas pessoas — elas estão nas esquinas, nas calçadas, ainda no território, mas agora apanhando da PM, da GCM e da polícia civil. É muita viatura, muito dinheiro público gasto nesse aparato absurdo de repressão", diz.

"É uma repetição do que vimos em 2012. A lógica da pancada, que impede as pessoas de dormir, de permanecer, de circular livremente. Isso é violação do direito de ir e vir", afirma.

A crítica remete a uma operação deflagrada em janeiro de 2012, que ficou conhecida como "Operação Dor e Sofrimento" e também dispersou usuários à força na gestão de Gilberto Kassab.

"Estamos andando pelas ruas e ouvindo muitos relatos de abusos — agressões com cassetetes no rosto, especialmente pela GCM, que parecem ter recebido orientação para isso. Também chegaram denúncias de internações forçadas, com pessoas sendo colocadas à força em vans e levadas para os Caps AD, sem qualquer consentimento", afirma Segalla.

GCM faz ronda na Rua dos Protestantes.
Marcel Segalla
Movimentos que acompanham a situação da região há anos, como o Craco Resiste, contestam a narrativa oficial

Outro relato é que profissionais da assistência social e da saúde não conseguiriam mais localizar pacientes que acompanham. Tratamentos estariam estão interrompidos porque os técnicos não conseguem entregar medicamentos.

"O Poder Executivo vem fazendo pressão e usando de truculência há muito tempo para dispersar os usuários", afirma a psicóloga Maria Angélica Comis, coordenadora da Rede Brasileira de Redução de Danos e Direitos Humanos.

"De fato, quando há esse tipo de dispersão fica muito difícil achar as pessoas que dão acompanhadas, então terá grande impacto, principalmente para quem trata tuberculose e HIV."

Em nota, a Secretaria de Segurança Pública de São Paulo afirma que tem atuado na região de forma multisecretarial, em conjunto com a Prefeitura, "para combater a criminalidade, principalmente o tráfico de drogas, requalificar vias, e oferecer apoio e uma saída viável aos dependentes químicos".

"A Polícia Civil realiza investigações constantes que têm resultado na apreensão de entorpecentes e na identificação de integrantes de organizações criminosas. Já a Polícia Militar mantém o policiamento ostensivo com reforço de efetivo e emprego de equipes especializadas, atuando em pontos estratégicos", afirmou a pasta.

A Secretaria também disse que medidas de segurança são executadas em conjunto com ações da Secretaria Estadual de Saúde e da Secretaria de Desenvolvimento Social.

"Esse conjunto de ações permitiu a diminuição crescente do número de dependentes químicos na região e a requalificação de vias que antes eram tomadas pelo fluxo", diz a pasta.

Movimentos contestam a versão oficial. "A narrativa de que o tráfico foi "estrangulado", de que uma ação no Moinho mudou a lógica da distribuição de drogas, também é mentira. As pessoas seguem usando crack nas calçadas. O que houve foi uma dispersão — mais do mesmo", finaliza Segalla.

BBC
BBC Geral
postado em 13/05/2025 19:46 / atualizado em 13/05/2025 20:15
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