CONGRESSO

Nova PEC dos precatórios é aprovada a toque de caixa

Câmara dá sinal verde para PEC que recria o calote nas dívidas judiciais, agora, para estados e municípios. Proposta impõe limites de pagamentos, abre espaço na regra do arcabouço, além de armar uma "bomba fiscal" que chegaria a R$ 1 trilhão até 2035

Relator da PEC 66/2023 na Câmara, deputado Baleia Rossi (MDB-SP) comemorou aprovação: pauta municipalista -  (crédito: Marina Ramos/Câmara dos Deputados)
Relator da PEC 66/2023 na Câmara, deputado Baleia Rossi (MDB-SP) comemorou aprovação: pauta municipalista - (crédito: Marina Ramos/Câmara dos Deputados)

O plenário da Câmara aprovou, ontem, em dois turnos, a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que estabelece novas regras para o pagamento de precatórios (dívidas judiciais) de estados e municípios, a PEC 66/2023. A medida parcela o pagamento das dívidas previdenciárias de estados e municípios e ainda retira a despesa com precatórios do limite de despesas do arcabouço fiscal. Com isso, abre espaço fiscal para os entes regionais, a exemplo do que aconteceu com a União, em 2021, quando a PEC dos precatórios foi aprovada, dando calote em parte dos precatório, permitindo ao ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) zerar o rombo fiscal em 2022.

A PEC 66/2023 ainda precisa ser aprovada no Senado Federal e, apesar do apoio entre governistas e oposição à materia, especialistas alertam que a medida beneficia gestores que não fazem ajustes nas despesas de forma geral. Além disso, conforme estimativas do economista-chefe da XP Investimentos, Fernando Genta, as medidas propostas pelos deputados na PEC armam uma "bomba fiscal" que pode chegar a R$ 1 trilhão até 2035.

A economista e especialista em contas públicas Selene Peres Nunes, ressaltou ainda que, além de adiar o pagamento de precatórios, a PEC cria uma espécie de Propag - programa de refinanciamento das dívidas dos estados com a União - para os municípios e em prazo maior.

"A renegociação das dívidas dos municípios com a União em até 360 meses com as mesmas condições do Propag e mudança do indexador. Esse é um Propag dos municípios", destacou Selene Nunes. Ela lembrou que o adiamento no pagamento dos precatórios dos municípios tende deteriorar as contas públicas dos entes federativos e da União a partir de 2027. "A 'bomba fiscal' foi criada quando se considerou que precatórios não seriam despesas primárias. Estão, voltando atrás, em parte, mas o cálculo não retroage e deram um jeito de compensar em 2026", acrescentou a economista.

Procurado pelo Correio, o Ministério da Fazenda não comentou o assunto, que vai na contramão do discurso do ministro Fernando Haddad de que o governo está comprometido com o equilíbrio fiscal.

Arnaldo Lima, relações institucionais da Polo Capital, também fez um alerta sobre os impactos futuros dessa PEC. "A medida compromete os fundamentos do pacto intergeracional que sustenta o regime de repartição simples, no qual os trabalhadores ativos financiam os inativos", disse. Segundo ele, ao permitir que entes federativos permaneçam inertes diante de deficits crescentes, "joga-se uma conta pesada para as gerações futuras, agravada pelo envelhecimento populacional acelerado, fenômeno que o Brasil enfrenta na mesma velocidade que o Japão experimentou nas últimas décadas".

Transição

No relatório apresentado pelo deputado Baleia Rossi (MDB-SP), está previsto um mecanismo de transição para que a União incorpore o estoque de precatórios à meta fiscal dentro de um prazo de 10 anos, a partir de 2027. Outra medida é o limite de comprometimento da Receita Corrente Líquida (RCL) para o pagamento de precatórios por estados e municípios, que pode variar de 1% a 5% da RCL, a depender do nível de endividamento. A porcentagem pode subir gradualmente em 0,5% a cada 10 anos. A proposta também permite aos municípios a renegociação de dívidas com a União em até 30 anos e altera a correção monetária dos precatórios, atualmente medida apenas pela taxa básica da economia (Selic), atualmente em 15% ao ano. A correção, agora, pode ser feita pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) mais 2% ao ano ou pela taxa Selic, a depender do que for mais vantajoso para a União.

Originária do Senado, a PEC 66/2023 previa, inicialmente, a reprogramação nos prazos do parcelamento de débitos dos governos regionais com benefícios previdenciários de servidores e de trabalhadores da iniciativa privada. Segundo a Confederação Nacional dos Municípios (CNM), que articulou a matéria no Congresso, o impacto da PEC no orçamento dos municípios pode chegar a R$ 800 bilhões.

O texto foi alterado pelos deputados e aprovado em uma comissão especial, no início da tarde de ontem, em uma sessão que contou com a presença do prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes (MDB). A proposta foi incluída na pauta do plenário no mesmo dia, após o líder do governo, José Guimarães (PT-CE), apresentar requerimento para quebra de interstício — que ignora o prazo regimental. 

Para Baleia Rossi, o projeto é a pauta municipalista "mais importante da atual Legislatura". "Nós vamos entregar uma PEC que vai melhorar a vida do cidadão, porque, quando a gente disponibiliza mais recursos para que os prefeitos possam investir nas políticas públicas, ao final, vamos conseguir fazer justiça", disse. "Nosso objetivo, em todas as matérias que a gente discute, mas principalmente as municipalistas, é fazer com que o cidadão tenha a melhor qualidade de vida em cada uma das mais de cinco mil cidades do nosso país", acrescentou.

Críticas

A PEC 66/2023 foi aprovada sob críticas apenas de deputados do Novo e do PSol. O deputado Chico Alencar (PSol-RJ) lembrou que os precatórios são dívidas e que já há precedente de declaração de inconstitucionalidade no Supremo Tribunal Federal (STF). Para o parlamentar, na prática, o que o texto faz é legitimar o calote como ocorreu no governo Bolsonaro. "O que essa PEC — com o escopo generoso de se preocupar com a realidade financeira atuarial dos municípios — traz é, na verdade, a legitimação do calote. Oferece um alívio fiscal imediato aos municípios, mas gera efeitos preocupantes sobre a sustentabilidade da previdência, especialmente para os regimes próprios dos servidores públicos", afirmou.

Diversas entidades que representam sindicatos de servidores estaduais e municipais criticaram a proposta, que apelidaram de "nova PEC do calote", ao longo da última semana. O Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), por exemplo, enviou uma nota técnica para a comissão especial da Câmara elencando os principais problemas da proposta. Segundo a entidade, um novo regime viola direitos e garantias dos credores de precatórios, medida que já foi considerada inconstitucional pelo STF.

O advogado Guilherme Stumpf, especialista em direito administrativo do Escritório Weber Advogados, também criticou a PEC e a considerou inconstitucional, como a PEC do governo anterior. "O Congresso está aprovando um incentivo que é extremamente perverso para os gestores que tentam equilibrar as contas públicas. Quem é um bom gestor acaba sendo desestimulado a continuar respeitando a LRF", disse. "O desenho que isso passa é terrível, porque dá a impressão de que quem faz tudo certo não tem benefício, e quem faz tudo errado acaba sendo beneficiado", lamentou.

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postado em 16/07/2025 03:59
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