
O vice-presidente e ministro do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC), Geraldo Alckmin, deu a largada, ontem, a uma série de reuniões com representantes do setor produtivo para discutir estratégias de reação às tarifas de 50% impostas pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, sobre produtos brasileiros que passarão a valer a partir de 1º de agosto. A ideia do governo é tentar resolver o impasse até o dia 31 e "avançar nas negociações nos próximos dias".
Os encontros realizados, ontem, na sede do Mdic, foram divididos entre dois blocos. Pela manhã, Alckmin reuniu-se com setores industriais como aviação, aço, alumínio, celulose, máquinas, calçados, móveis e autopeças. À tarde, foi a vez do agronegócio, com representantes das cadeias de suco de laranja, carne, frutas, mel, couro e pescado.
"Ouvimos, ao longo do dia, os segmentos mais afetados pelas novas tarifas, setores com forte relação comercial com os EUA", disse o vice-presidente à imprensa. Ele considerou . Ele afirmou que o governo busca reverter a medida até 1º de agosto, quando a sobretaxa aos produtos brasileiros entrará em vigor, mas não descarta solicitar a prorrogação do prazo caso não haja avanços nas negociações. "O prazo é exíguo, mas vamos trabalhar para tentar avançar o máximo nesse prazo", reforçou.
Alckmin também destacou que o setor produtivo brasileiro vai acionar seus parceiros comerciais nos Estados Unidos, reforçando a importância de uma mobilização bilateral. "É uma relação importante que repercute também nos Estados Unidos, podendo encarecer produtos e a economia americana", disse. Ele lembrou que as exportações do Brasil para os EUA cresceram 4,37% de janeiro a junho, enquanto as exportações norte-americanas para o Brasil subiram 11,48% no mesmo período. "Portanto, é totalmente incompreensível essa decisão da tarifa."
Os encontros de ontem liderados por Alckmin fazem parte das ações do comitê interministerial criado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva para coordenar a resposta brasileira ao tarifaço de Trump. O grupo reúne representantes do Mdic, Casa Civil, Ministério da Fazenda e Ministério das Relações Exteriores (MRE). De acordo com Alckmin, as conversas continuam e a construção de uma resposta unificada está em andamento. Hoje, ele seguirá conversando com entidades do setor produtivo e com representantes das câmaras de comércio bilaterais.
O vice-presidente afirmou, ainda, que o governo brasileiro enviou cartas formais aos Estados Unidos para negociar as tarifas desde a primeira rodada de sanções, mas ainda não obteve resposta.
Cautela
Em meio à escalada das tensões comerciais, Lula também assinou o decreto que regulamenta a Lei da Reciprocidade Econômica. Aprovada pelo Congresso, a norma define os critérios para que o Brasil possa suspender concessões comerciais, investimentos e obrigações relativas à propriedade intelectual, como forma de reação a medidas unilaterais que comprometam a competitividade do país no comércio internacional.
Na reunião com Alckmin, representantes do setor produtivo defenderam uma solução para o impasse tarifário antes de o governo partir para medidas de reciprocidade. "O mais importante é que o Brasil não pretende reagir de forma intempestiva. O que entendemos dessa reunião é que o país não vai se precipitar em adotar medidas de retaliação, para que elas não sejam interpretadas apenas como uma disputa", disse o presidente da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Ricardo Alban, a jornalistas. Ele destacou a união entre governo, indústria e agronegócio na busca por uma solução negociada.
"Estamos todos trabalhando, todos falando a mesma língua. A racionalidade, o bom senso e o equilíbrio vão prevalecer", disse Alban, reiterando que o Brasil não tomará medidas precipitadas. "Não se trata de retaliação. O que queremos é entendimento", frisou.
O presidente da CNI reforçou a crítica ao aumento das tarifas pelos EUA. "Não faz nenhum sentido que o Brasil saia do piso para o teto sem nenhuma motivação econômica. Isso é algo fatídico, não é especulação", afirmou.
Em carta assinada pela entidade, representantes do setor produtivo alinharam a defesa de um adiamento mínimo de 90 dias na aplicação das novas tarifas.
O presidente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), Josué Gomes, que também participou do encontro, reforçou a confiança na capacidade de negociação do governo brasileiro. "Temos absoluta confiança que os mais de 200 anos de boas relações diplomáticas e comerciais com os Estados Unidos não vão se romper dessa maneira. Vamos chegar a um entendimento", afirmou. "Não é só o Brasil que perde, os Estados Unidos também perdem muito."
Alimentos
Uma das grandes preocupações é com as exportações de alimentos, e Alckmin ressaltou a urgência de uma solução negociada, especialmente sobre o agronegócio brasileiro. Segundo ele, a natureza dos produtos exportados exige celeridade nas tratativas. "No caso do agro, temos duas situações que exigem atenção: produtos perecíveis e cargas que já estão embarcadas. Por isso, o prazo é uma questão crítica, e todos nós estamos empenhados em buscar alternativas rapidamente", declarou.
O ministro da Agricultura, Carlos Fávaro, criticou a forma unilateral como os Estados Unidos impuseram tarifas sobre produtos brasileiros e defendeu o diálogo como caminho essencial para reverter a medida — especialmente no caso de alimentos. Para ele, esses itens não deveriam ser incluídos na lista de produtos taxados.
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"O mundo enfrenta uma grave insegurança alimentar. Milhares de pessoas tomaram café da manhã hoje sem saber se terão o que almoçar. Alimento não pode ser tratado como uma commodity qualquer. Taxar alimentos é um erro. Isso não é atitude de quem pensa na humanidade", afirmou o ministro. Ele destacou que o governo está empenhado em buscar soluções, mas alertou para os limites do curto prazo.
Responsável por cerca de 98% das exportações de carne bovina do país, a Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carnes (Abiec), levou ao governo federal um alerta sobre os impactos imediatos da medida no setor. Segundo o presidente da entidade, Roberto Perosa, a incerteza em torno da nova taxação já está afetando a produção. "Nossos frigoríficos estão parando de produzir carne destinada aos Estados Unidos, justamente por causa da indefinição."
Ele destacou que os EUA são o segundo principal destino da carne bovina brasileira, atrás apenas da China. "Com essa taxação, se torna inviável continuar exportando para os Estados Unidos. Temos cerca de 30 mil toneladas já produzidas, que estão nos portos ou em trânsito. É um volume de aproximadamente US$ 150 milhões a 160 milhões que está a caminho e nos preocupa como isso será tratado a partir do dia 1º (de agosto)."
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