
Nós, brasileiros, vamos sorrir, ao menos no que depender do retrato imediato, com a visibilidade do cinema nacional, na França, durante a realização do Festival de Cannes, que chega à 78ª edição. Destacado pelos franceses no Mercado Cinematográfico, o Brasil estampa em vitrine de honra seu audiovisual. Comparecerá com 65 agentes do setor audiovisual apoiados pelo Ministério da Cultura, em comitiva que tem cineastas, produtores e talentos da indústria, integrados a programas do Marché du Film. Economicamente, abre-se leque de chances para fechamento de negócios, contratos e parcerias. "Neste posicionamento, no maior encontro internacional de profissionais do cinema do mundo, o Brasil tem feito histórico. Acabamos de ganhar o primeiro Oscar com o filme Ainda estou aqui. Concorremos ao Urso de Ouro, no Festival de Berlim, Gabriel Mascaro conquistou o Grande Prêmio do Júri, e estamos na expectativa pelo filme O agente secreto (atração de domingo), dirigido pelo Kleber Mendonça Filho e estrelado por Wagner Moura, como representante brasileiro na disputa pela Palma de Ouro", celebra a ministra da Cultura Margareth Menezes.
Até o dia 24 de maio, com a entrega de prêmios, o Brasil tem maratona de exibições correlatas ao evento. Na seleção oficial, com júri comandado por Juliette Binoche, o momento maior será a exibição do longa de Kleber Mendonça Filho, no rastro de sucessos de longas como Aquarius (2016) e Bacurau (2019). A fita que tem Gabriel Leone, Maria Fernanda Cândido, Isabél Zuaa e Hermila Guedes no elenco é ambientada em 1977. Produto de coprodução entre Brasil, França, Alemanha e Holanda, o filme revela o desassossego de um misterioso técnico que tem o Recife por refúgio, em meio à ditadura militar. Na programação de hoje, o evento terá a pré-estreia mundial de Missão: Impossível — O acerto final, com Tom Cruise e ainda o brilho de Robert De Niro, a postos para uma entrevista sobre o recebimento da Palma honorária, referente ao conjunto da obra.
No pacote de 22 concorrentes ao prêmio central, há nomes de peso como Joachin Trier, que traz Sentimental value, em torno de uma norte-americana, aspirante à estrela de cinema, infiltrada em meio a conflitos familiares de um diretor de cinema. Vencedora de prêmio de melhor atriz, Renate Reinsve estrela o filme, e regressa, quatro anos depois de encabeçar A pior pessoa do mundo (de Trier). Crise familiar também é tema de Alpha, filme de Julia Ducornau (anteriormente premiada com a Palma de Ouro), no qual uma tatuagem contrapõe mãe e filha. Entre um arsenal de estrelas, Lynne Rammsey comparece com a produção canadense Die my love, puxado por figuras como Jennifer Lawrence, Lakeith Stanfield, Nick Nolte, Sissy Spacek e Robert Pattinson.
Pontes de amizade, por meio da arte, se estabelecem no enredo de The story of sound, com Paul Mescal e Chris Cooper colocados em meio ao folclore dos anos de 1920 e músicas coletadas em campo pelos seus personagens, no filme de Oliver Hermanus. Já por três vezes destacado em prêmios de Cannes, o iraniano Jafar Panahi apresenta Un simple accident, em que um problema aparentemente contornável gera crise sem precedentes. Situado no Novo México, de 2020, um atrito entre xerife e representante político comanda o cerne de Eddington, filme de Ari Aster (de Hereditário e Beau tem medo) que traz no elenco Pedro Pascal, Austin Butler, Emma Stone e Joaquin Phoenix.
Por mais de 10 vezes candidatos ao festival, os irmãos Jean-Pierre e Luc Dardenne apresentam o drama Jeunes Mères, em que adolescentes e bebês se refugiam em abrigo a fim de disporem de melhores condições de vida. Igualmente em encruzilhada estão os personagens de Woman and child, filme do iraniano Saeed Roustaee, no qual uma viúva tenta um recomeço, antes de se prender à nova tragédia. Na terra de Godard, o maior expoente da nova onda sessentista do cinema francês comparece, indiretamente, no novo longa de Richard Linklater batizado de Nouvelle Vague. Na trama, está o fictício bastidor da realização do clássico Acossado (1959).
Na Semana da Crítica e na mostra Um Certo Olhar, respectivamente, produções nacionais ou coproduções brazucas brilham, com o curta Samba infinito (de Leonardo Martinelli) e O riso e a faca (do lisboeta Pedro Pinho, que terá o filme exibido no dia 17). Na chamada Quinzena dos Realizadores, com ponte entre realizadores brasileiros e representantes de Cuba, Portugal, Israel e França; A fábrica — um projeto comandado por Karim Aïnouz, no papel de mentor — tornou-se polo para criadores de curta-metragens feitos em parceria com ênfase na criação de obras cearenses. Na leva, estão títulos como A fera do mangue; A vaqueira, a dançarina e o porco; Ponto cego e Como ler o vento.
Para além de ter um integrante no corpo de jurados da chamada Palma Queer — o diretor Marcelo Caetano (de Baby) —, Cannes terá mais representação verde-amarela, com a exibição do documentário Para Vigo me voy! (de Karen Harley e Lírio Ferreira), que celebra a lúcida mente de Cacá Diegues, três vezes candidato ao prêmio Palma de Ouro e morto há três meses. O filme compete na disputa pelo Olho de Ouro, prêmio atribuído no segmento Cannes Classics. Outros diretores homenageados postumamente são David Lynch (falecido em janeiro de 2025) e Laurent Cantet, este, que teve o último filme, Enzo, concluído pelo colega Robin Campillo. Na trama, um braçal ucraniano mexe com impulsos sexuais de um adolescente abastado.