Visão do Direito

Nova modalidade de crédito consignado digital: avanço ou armadilha para empresas e trabalhadores?

"Diferentemente do modelo anterior, que exigia convênio entre empregadores e instituições financeiras, agora o trabalhador pode contratar o empréstimo por conta própria"

Elisa Alonso, especialista em direito do trabalho, sócia do RCA Advogados -  (crédito: Divulgação)
Elisa Alonso, especialista em direito do trabalho, sócia do RCA Advogados - (crédito: Divulgação)

Por Elisa Alonso*  A Medida Provisória nº 1292/2025, que regulamenta o novo modelo de crédito consignado digital, viabilizado diretamente pela Carteira de Trabalho Digital, promete facilitar o acesso ao crédito pelos trabalhadores com carteira assinada. No entanto, sob a aparência de modernização e inclusão financeira, esconde-se um complexo sistema que transfere às empresas um conjunto significativo de novas obrigações — técnicas, operacionais e legais — sem contrapartidas adequadas.

Diferentemente do modelo anterior, que exigia convênio entre empregadores e instituições financeiras, agora o trabalhador pode contratar o empréstimo por conta própria. Basta acessar a plataforma digital pública e autorizar a operação. O sistema, interligado ao eSocial, cruza automaticamente os dados do vínculo empregatício, verifica a margem consignável (limitada a 35% do salário líquido) e libera a operação. Não há necessidade de autorização da empresa, nem aviso prévio por parte do banco.

Mas isso não significa que a empresa esteja fora da equação. Pelo contrário: ela passa a ter responsabilidades imediatas, como realizar os descontos em folha de pagamento, repassar os valores à instituição financeira e manter todos os dados dos empregados atualizados no sistema. A simples presença da empresa no eSocial já gera a presunção de ciência do empréstimo.

O desafio é grande, especialmente para pequenas empresas, que nem sempre contam com estrutura de Recursos Humanos dedicada. A nova dinâmica exige acompanhamento constante da plataforma digital oficial, atenção redobrada com a exatidão das informações prestadas (salários, vínculo, descontos legais, verbas rescisórias etc.), além da execução correta dos repasses.

A negligência ou erro em qualquer etapa pode acarretar responsabilização. Isso inclui desde prejuízos ao trabalhador — que pode ter um valor descontado indevidamente — até perdas às instituições financeiras. E mais: em casos extremos, como retenção de valores descontados, a empresa pode ser enquadrada por apropriação indébita, com reflexos na esfera criminal.

Por outro lado, os trabalhadores também precisam estar atentos. A nova medida amplia o acesso ao crédito, inclusive, para quem trabalha em empresas que não tinham convênio com bancos, ou atua no setor doméstico e rural. As ofertas surgem rapidamente, com a promessa de contratação digital e condições facilitadas, incluindo o uso do FGTS como garantia. Porém, o risco de superendividamento é real, principalmente entre profissionais de menor renda. Afinal, a contratação se dá sem qualquer filtro externo, e o desconto é feito diretamente na folha.

A crítica que se impõe é clara: ao centralizar a contratação nas mãos do trabalhador, o modelo promove uma autonomia apenas aparente. E, ao mesmo tempo, impõe ao empregador responsabilidades complexas, sem que esse tenha participação efetiva na operação. Trata-se de uma política que, na prática, beneficia as instituições financeiras, precariza a proteção ao trabalhador e sobrecarrega as empresas com novos deveres.

Portanto, antes de celebrarmos a medida como um avanço digital, é preciso refletir sobre seus impactos concretos. Sob o argumento de promover a inclusão financeira, transfere-se ao empregador obrigações técnicas e legais relevantes, ao mesmo tempo em que se expõe o trabalhador a um sistema de crédito mais acessível, porém desprovido de salvaguardas eficazes contra o superendividamento. Nesse contexto, a inclusão financeira não pode ser construída à custa da segurança jurídica dos empregadores, nem da estabilidade econômica dos empregados.

Sócia do RCA Advogados, especialista em direito do trabalho*

 

Por Opinião
postado em 08/05/2025 04:00
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