
Por Paulo Peressin* e Rafael Sorbo ** — No final do ano de 2024, a Subseção I Especializada em Dissídios Individuais (SDI-1) do Tribunal Superior do Trabalho (TST) acolheu dois Incidentes de Recursos de Revista Repetitivos (IRRs), que têm potencial para estabelecer novas diretrizes sobre dois dos temas mais controversos do direito do trabalho contemporâneo: a terceirização e a pejotização.
As discussões sobre ambos os temas estão em constante evolução, especialmente após mudanças significativas na interpretação jurídica determinadas pelo Supremo Tribunal Federal (STF), com repercussões diretas sobre as relações de trabalho.
Esses dois casos se inserem no contexto de uma jurisprudência conflitante entre o STF e a Justiça do Trabalho, no que diz respeito à validade de formas alternativas de contratação, como a terceirização e a pejotização. Tais modelos, embora legalmente permitidos sob determinadas condições, têm sido alvo de debates acirrados quanto à sua adequação e aos limites à proteção dos direitos trabalhistas.
O primeiro caso (E-ED-RR-1848300-31.2003.5.09.0011) trata de uma supervisora de atendimento de Capão Raso (PR), que trabalhou como empregada e, posteriormente, foi contratada para atuar na área de call center por meio de empresa terceirizada.
No segundo caso (E-RRAg-373-67.2017.5.17.0121), um industriário de Vila Velha (ES) pleiteia o reconhecimento de vínculo de emprego no período posterior à alteração da modalidade contratual, quando, de comum acordo com a empresa, constituiu pessoa jurídica e passou a figurar como prestador de serviços.
Ao acolher esses incidentes, a SDI-1 terá de enfrentar o dilema jurídico entre o entendimento mais amplo do STF e a tradicional proteção à relação de emprego defendida pela Justiça do Trabalho. A jurisprudência do TST, consolidada ao longo de décadas, sustenta que, uma vez constatados os elementos de uma relação de emprego (subordinação, pessoalidade, onerosidade e habitualidade), a utilização de pessoas jurídicas (ainda que de forma interposta) deve ser declarada nula, mesmo que o formato de contratação tenha sido livremente definido entre as partes contratantes.
Por outro lado, o STF procura garantir que a legislação acompanhe a evolução do meio social, incluindo as relações de trabalho, além de buscar assegurar a eficácia e a autoridade das decisões proferidas, promovendo, assim, a segurança jurídica.
A Corte Suprema firmou entendimento vinculante nos precedentes da ADPF 324 e do Tema 725 da repercussão geral, concluindo pela constitucionalidade das diversas formas de trabalho, além daquela prevista na CLT, como expressão do princípio da livre iniciativa, conforme disposto no artigo 170 da Constituição Federal.
Além disso, confirmou-se a possibilidade de prestação de serviços e contratações respaldadas em contratos civis que, sem indício de fraude, contribuem para o fomento e evolução econômica do país.
Mais recentemente, já neste mês de abril de 2025, repercutiu amplamente a notícia de que o ministro Gilmar Mendes determinou a suspensão nacional de todos os processos que tratam da contratação de trabalhador autônomo ou pessoa jurídica para a prestação pessoal de serviços — a chamada "pejotização" — após o reconhecimento de repercussão geral da matéria (Tema 1389).
Nos últimos anos, o STF tem reconhecido a possibilidade de constituição de relação de trabalho a partir da terceirização ou da pejotização, enquanto relações contratuais lícitas entre empresas, adotando uma perspectiva própria e distinta do entendimento tradicional da Justiça do Trabalho.
Diante das recentes decisões, configura-se, portanto, um verdadeiro cliffhanger jurídico: haverá diálogo e uniformização entre as Cortes para que a decisão da SDI-1 esteja minimamente alinhada ao posicionamento do STF? Vence quem julgar primeiro ou quem julgar melhor? No limite da argumentação, irá preponderar a liberdade para contratar ou a proteção do presumidamente hipossuficiente?
É evidente que o TST se vê diante do desafio de equilibrar a flexibilidade defendida pelo STF quanto à licitude desses modelos, com a necessidade de assegurar a proteção dos direitos fundamentais dos trabalhadores, especialmente diante de práticas que possam configurar fraude à legislação trabalhista.
Nesse contexto, a teoria do distinguishing, oriunda do sistema de precedentes do Common Law e inserida no Código de Processo Civil (CPC), cuja aplicação também ocorre no âmbito da Justiça do Trabalho, ganha ainda mais relevância. Ela permite que o juiz, ao analisar o caso concreto, decida pela inaplicabilidade de uma tese jurídica vinculante quando as circunstâncias fáticas ou jurídicas forem distintas daquelas analisadas nos precedentes anteriores.
Não se descarta a possibilidade de que o TST, mesmo diante de um precedente qualificado e vinculante a ser proferido pelo STF, defina a partir de quais particularidades fáticas será possível distinguir situações em que a terceirização ou a constituição de pessoa jurídica sejam legítimas, e aquelas em que se caracterize fraude à legislação trabalhista — o que poderá trazer maior segurança jurídica tanto para empresas quanto para trabalhadores.
As empresas devem acompanhar de perto essa resolução a fim de adequar suas práticas e evitar contratações em desacordo com a interpretação da jurisprudência.
Sócio de Trabalhista do Lefosse*
Advogado do Lefosse, especialista da prática de Trabalhista**
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