
Por Frederico Mendes Júnior* — A magistratura no Brasil deixou de ser apenas uma atividade de grande responsabilidade para se converter em uma profissão de risco permanente. Não por escolha dos juízes, evidentemente, mas por imposição da realidade. Ao garantir direitos a todos os cidadãos, impor limites a quem busca transgredir as normas e fazer valer as determinações do Poder Judiciário, os magistrados enfrentam uma dura resistência das forças que, para não se submeterem ao Direito, recorrem à intimidação e à violência.
Aprovado pelo Congresso Nacional e encaminhado à sanção presidencial, o Projeto de Lei nº 4015/2023 representa um avanço institucional necessário ao reconhecer, expressamente, o risco permanente das funções exercidas por juízes, membros do Ministério Público, defensores públicos, advogados públicos e oficiais de justiça. O texto estabelece iniciativas concretas de proteção, além de agravar as penas para crimes de homicídio e lesão corporal dolosa contra esses profissionais.
O que se propõe é uma resposta legítima à gravidade dos tempos. O juiz decide entre interesses antagônicos, freando abusos de poder e enfrentando o crime organizado e a corrupção. Essa atuação - imprescindível para a afirmação da independência judicial e para o Estado Democrático de Direito - gera, inevitavelmente, reações violentas que, ao fim, pretendem inviabilizar a própria prestação jurisdicional.
A realidade brasileira é alarmante. Pesquisa realizada pela Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), em parceria com a Federação Latino-Americana de Magistrados (FLAM) e o Instituto de Pesquisas Sociais, Políticas e Econômicas (IPESPE), revelou que mais da metade dos juízes brasileiros já sofreu ameaças à vida ou à integridade física.
O índice nacional supera, com folga, a média das nações da América Latina, evidenciando a severidade do ambiente em que a magistratura exerce sua missão. Há casos em que a pressão das ameaças se torna tão intensa que afeta a saúde, a liberdade de convívio social e a permanência do juiz no posto.
O PL 4015/2023 inaugura uma política realista e necessária, ao prever mecanismos de apoio individualizados, com medidas como reforço de segurança, escolta, remoção provisória e proteção de dados sensíveis - sempre sob critérios de necessidade e proporcionalidade. Trata-se de uma legislação de defesa institucional, voltada à preservação da independência judicial e da dignidade dos juízes.
Ao mesmo tempo, o fortalecimento da segurança renova o compromisso do Poder Judiciário com a transparência. A publicidade dos atos administrativos e das informações sobre a remuneração dos agentes públicos permanece inalterada. O que se protege, com equilíbrio e respeito à Constituição, são dados que, se expostos sem critério, podem facilitar perseguições e atentados.
A Constituição é inequívoca ao afirmar que a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas são invioláveis. A tutela desses direitos não exclui os juízes - ao contrário, reforça o dever do Estado de resguardar aqueles que, no exercício da função, e justamente por ela, tornam-se alvos preferenciais de retaliações.
A criação de um ambiente de amparo à magistratura, longe de ser um fim em si mesmo, visa garantir que as decisões judiciais sejam tomadas com isenção, destemor e autoridade. Quando um juiz é ameaçado, não está em risco apenas sua segurança individual, mas a efetividade do sistema de Justiça, que se enfraquece a cada nova investida.
Ao reconhecer a magistratura como atividade de risco e adotar ações de mitigação adequadas, o PL 4015/2023 reafirma o compromisso do país com a defesa da Justiça como valor essencial à democracia. O recrudescimento das sanções, portanto, mais do que uma resposta penal, representa a afirmação política de que ataques contra juízes são ataques contra a sociedade.
Proteger os magistrados é, em suma, proteger a imparcialidade e a independência da Justiça, para que, a despeito do poder político e econômico das partes envolvidas nos processos ou das ameaças do crime organizado, a lei prevaleça.
Presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB)*
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