
Por trás de um hábito saudável que se democratizou nos últimos anos, a rotina de cuidados com a pele pode esconder riscos quando é feita sem a orientação de um dermatologista. Impulsionado pelo movimento global K-beauty – protocolo sul-coreano que envolve rituais de 10 ou mais passos, adaptados a diferentes necessidades de pele, e combinam ingredientes naturais e tecnologia, além de procedimentos estéticos para um resultado natural –, o skincare despertou a atenção de crianças e adolescentes.
A popularização entre esse público se deve, em parte, produtos com embalagens coloridas e atrativas, campanhas de marketing direcionadas e divulgação feita por influenciadores de beleza. Especialmente no Tik Tok, crianças e adolescentes compartilham vídeos do seu dia a dia de cuidados, que podem incluir até mesmo dermocosméticos anti-idade.
“Produtos formulados para adultos não foram testados para uso na pele infantil. A pele da criança é mais fina e delicada, o que aumenta a absorção de produtos, tem menos sebo e glândulas sudoríparas, sendo mais ressecada e propensa à irritação. Quando ela se expõe a um produto feito para adultos, há uma chance potencial de causar irritação, desde queimaduras a dermatites de contato”, explica Fernanda Fonseca, dermatologista da Clínica da Pele e membro da Sociedade Brasileira de Dermatologia (SBD).
Além dos riscos físicos, o professor do curso de psicologia da Estácio BH, Jailton Souza, observa que o ritual de skincare em crianças e adolescentes reforça uma pressão estética precoce. “A exposição precoce a padrões estéticos idealizados e ao uso de produtos, como cremes antienvelhecimento, pode ter impactos significativos na saúde emocional de crianças e adolescentes. Nessa fase do desenvolvimento, a identidade ainda está sendo construída e a autoimagem é extremamente sensível à validação externa, especialmente nas redes sociais, nas quais curtidas e comentários funcionam como formas de aprovação ou rejeição. Quando jovens de 7 a 18 anos começam a adotar rotinas de cuidados com a pele voltada à estética adulta, sem necessidade dermatológica, isso pode gerar ansiedade, insegurança corporal, comparação constante e favorecer quadros como dismorfia corporal”, analisa.
Fernanda acrescenta que estimular crianças e adolescentes a adotar uma rotina intensa de cuidados com a pele, sem qualquer indicação e orientação médica, é desnecessário e prejudicial.
“Começam uma busca incessante pela perfeição, comparações e inseguranças a ponto desse jovem não querer sair de casa por sentir vergonha da própria aparência. Apesar de não haver uma idade mínima para cuidar da pele, o ideal é que crianças muito novas não façam skincare sem recomendação. Contudo, não adianta ser totalmente contrário e irredutível quanto ao uso de cosméticos, caso seja uma demanda da criança. O importante é ajustar a rotina com produtos próprios para a idade. É imprescindível que os pais agendem uma consulta com um dermatologista. Podemos introduzir alguns produtos suaves, como sabonetes, hidratantes e protetor solar, não mais do que isso. Uma dica é procurar na embalagem frases como “indicado para pele sensíveis”, “ação calmante ou hidratante”, “hipoalergênico”, descreve.
Para os especialistas, a conscientização dos responsáveis é o melhor caminho, junto à orientação médica. “Como profissionais da saúde, temos que informar e conscientizar. Existem fases da vida que a pele vai demandar mais cuidado, como na puberdade, em casos de acne. Fora isso, as únicas necessidades são manter a pele hidratada e usar protetor solar, mas na presença de alguma condição específica, o médico indicará um tratamento individualizado. Os pais devem dizer não para compras impulsivas de dermocosméticos impróprios para a idade do filho e buscar orientação de um dermatologista”, recomenda Fernanda.
“É importante promover uma educação crítica sobre o uso das redes sociais, incentivar o diálogo familiar e escolar sobre autoestima, e oferecer espaços de escuta e acolhimento psicológico. A construção de uma relação saudável com o próprio corpo deve ser um processo e não uma resposta imediata à pressão estética midiática”, complementa Jailton.
De acordo com a Euromonitor International, o mercado brasileiro de produtos de higiene e beleza no país alcançou R$ 173,4 bilhões em 2024, um crescimento de 10,3% em relação ao ano anterior. Isso posicionou o Brasil no terceiro lugar no ranking global de consumo desses produtos, atrás dos Estados Unidos e da China.