
Celebrado em 15 de julho, o Dia dos Homens é uma data que convida à reflexão sobre o que significa ser homem nos dias de hoje — e como isso impacta diretamente a saúde do gênero masculino. No Brasil, eles vivem 5 anos a menos do que as mulheres, cuidam menos da saúde e morrem mais cedo por causas evitáveis, de acordo com a OMS.
Por trás desses dados está uma construção de masculinidade que ainda valoriza a força, o silêncio e a autossuficiência, dificultando o acesso ao cuidado médico e emocional. Segundo o Programa Nacional de Saúde (PNS), a taxa de mulheres que vão ao médico é de 82,3%, bem acima dos 69,4% registrados entre os homens.
Uma pesquisa norte-americana da Cleveland Clinic revelou que apenas metade dos homens buscam realizar exames de rotina, devido à falta de percepção sobre a própria saúde. Homens tendem a evitar o médico e só procuram ajuda quando sentem sintomas mais graves, geralmente após os 40 anos.
Enquanto as mulheres são incentivadas desde cedo a cuidar da saúde, muitos homens relatam constrangimento ou resistência em falar sobre o tema. Segundo o levantamento, 65% evitam ir ao médico pelo maior tempo possível e 1 em cada 3 nem busca os resultados dos exames por medo do diagnóstico ou de julgamento.
Mary Himmelstein, pesquisadora da Universidade de Connecticut, afirmou em entrevista à BBC Brasil que os homens foram educados para se apresentarem como fortes, e evitam buscar ajuda por receio de serem vistos como fracos. "Crenças tradicionais sobre os papéis sociais (de cada gênero) contribuem para a forma como nossa cultura constrói a masculinidade - isto é, como são, como deveriam ser e como devem agir", explicou.
"No caso dos homens, essas crenças contribuem para a ideia de que, para ser um 'bom homem', é preciso ser duro, corajoso e absolutamente autossuficiente. O problema dessas crenças é que criam barreiras para pedir ajuda, mesmo em face de doenças e lesões", acrescentou a pesquisadora.
A masculinidade de um homem também é questionada quando não enquadrada em um modelo social sugerido, em comparação com mulheres que não atendem a uma performance convencional de feminilidade. "A principal diferença é os homens têm um roteiro cultural dizendo que eles TÊM que agir dessa forma para que possam ser considerados homens. As mulheres não têm essa mesma pressão social para serem corajosas, resistentes, e autossuficientes", observou Himmelstein.
Analfabetismo emocional
Desde a infância, muitos meninos escutam que não podem chorar e nem demonstrar vulnerabilidade — o que pode resultar na repressão dos sentimentos, dificultando até diagnósticos psicológicos, segundo artigo da Faculdade de Medicina da UFMG. O resultado é um número quase quatro vezes maior de tentativas de suicídios da população masculina, se comparado com a feminina, segundo o Centro de Valorização da Vida (CVV).
De acordo com Paulo Ceccarelli, psicólogo, psicanalista, professor e orientador de pesquisas do Mestrado de Promoção de Saúde e Prevenção da Violência, da Faculdade de Medicina da UFMG, esses padrões impostos culminam em uma violência de não cuidado: “A gente cresce ouvindo que menino não pode chorar, menino não pode fazer aquilo, isso não é coisa de menino. Faz parte do nosso imaginário que o homem seja essa pessoa que não adoece, sempre forte, que dá conta de tudo, que não pode falar não. Então, o homem sofre essa violência constantemente”.
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Vale afirmar, então, que os próprios homens são atingidos pela cultura do machismo, tanto na saúde física quanto emocional. Esse distanciamento alimenta a chamada masculinidade tóxica, marcada por expectativas rígidas como "homem não chora" ou "nasce pronto", que negam a sensibilidade e o autoconhecimento.
A pesquisa “Meninos: sonhando os homens do futuro”, do coletivo PapodeHomem, revelou que 5 em cada 10 meninos não têm certeza se são amados por seus pais, e 6 em cada 10 afirmam ter poucas referências positivas de masculinidade com quem convivem no cotidiano. A autoestima masculina também foi um fator preocupante: apenas 4 em cada 10 meninos concordaram com a frase “me sinto bonito”, e 66% gostaria de aprender mais como se cuidar.
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Neste 15 de julho, mais do que celebrar, é preciso convidar os homens a olharem com mais honestidade para si mesmos. Falar sobre sentimentos, dividir angústias com amigos, buscar apoio psicológico e manter os cuidados médicos em dia não é sinal de fraqueza — é um ato de coragem e responsabilidade consigo e com quem está por perto. Romper com o silêncio imposto pela masculinidade tóxica é urgente para que mais homens vivam com saúde. O primeiro passo pode ser simples: escutar o próprio corpo, acolher as próprias emoções e permitir-se pedir ajuda. Isso também é ser homem.
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