SAÚDE MENTAL

Atendimento em saúde mental na rede pública está longe do ideal

O indicador de cobertura de Centros de Atenção Psicossocial (Caps) por 100 mil habitantes é de 0,55, o segundo mais baixo do país. O adequado para essas unidades, especializadas, seria de, pelo menos, 0,70, segundo o Ministério da Saúde

Adoecimento Mental 1407 Cidades -  (crédito: Caio Gomez)
Adoecimento Mental 1407 Cidades - (crédito: Caio Gomez)

A cobertura de atendimento em saúde mental no Distrito Federal está aquém do recomendado pelo Ministério da Saúde (MS). O índice na capital é de 0,55 no indicador de cobertura de Centros de Atenção Psicossocial (Caps) por 100 mil habitantes, enquanto o ideal seria acima de 0,70. A capital fica na frente apenas do estado doAmazonas. Além disso, o indicador no DF é bem menor que a média nacional, que marca 1,17. Os números sobre esses espaços, responsáveis por atender pessoas em sofrimento mental, constam na 13ª edição do relatório Saúde Mental em Dados, do ministério e acendem um alerta.

De acordo com o promotor da Promotoria de Justiça de Defesa da Saúde, Clayton Germano, há uma ação civil pública, na Primeira Vara de Fazenda Pública. Nela, o Ministério Pùblico do Distrito Federal e Territórios (MPDFT) conseguiu a condenação do DF para que fossem construídos 19 Caps e implantadas 125 vagas no serviço de residência terapêutica, o que melhoraria a distribuição para a população. "Entre o tempo de ajuizamento e do trânsito julgado, o DF construiu quatro, em 2018. Faltam 15 para a sentença. Até 2023, o DF se comprometeu a construir cinco, e não construiu. A princípio, está construindo dois caps e fazendo projetos arquitetônicos de mais três. Se construírem os cinco até 2025, ainda faltam 10", detalha Germano.

A Secretaria de Saúde (SES-DF) confirma que está prevista a criação de cinco novos centros, além do fortalecimento do atendimento às urgências e emergências e dos cuidados a crises em saúde mental, com serviços nas Unidades Básicas de Saúde (UBSs), Unidades de Pronto Atendimento (UPAs) e hospitais gerais. A pasta acrescenta que, desde 2017, foram realizados mais de 2,5 milhões de procedimentos pelos serviços públicos de saúde mental — Caps, Adolescentro, Centro de Orientação Médico Psicopedagógica (Compp) e casas de passagem — incluindo consultas, exames, terapias individuais e coletivas, avaliações e demais atendimentos. A SES-DF não informou quantas pessoas receberam esses procedimentos. Os serviços de saúde mental da rede pública "não medem produtividade com base no número de atendimentos únicos realizados à população, mas sim por tipos de procedimentos feitos e registrados". Para especialistas, há muito a avançar. 

O psiquiatra e professor da Uniceplac Raphael Boechat atende em ambulatórios públicos e afirma que, além da dificuldade de acesso aos serviços, muitas pessoas se deparam com barreiras para conseguir medicações. "Há pacientes que chegam ao ambulatório e que não têm condição de comprar remédios básicos, relatam que faltam na rede pública, às vezes, medicamentos que custam centavos", conta. "Por outro lado, há as medicações de alto custo. Alguns antipsicóticos são bem caros, os mais novos, que são muito difíceis de se conseguir. É uma burocracia enorme, parece que o governo cria dificuldades para entregar o remédio. E tem que haver protocolos, uma série de coisas", completa.

A atenção em saúde mental na rede pública é organizada em níveis de atendimento, com critérios definidos para encaminhamento conforme as necessidades específicas dos usuários. "Esse direcionamento não se baseia exclusivamente em diagnósticos, mas também considera sinais e sintomas de agravamento psíquico, aspectos multifatoriais do sujeito, como grau de funcionalidade, avaliação psicossocial abrangente e os recursos disponíveis na rede", explica a Secretaria de Saúde. Atendimentos biopsicossociais podem ser realizados nas Unidades Básicas de Saúde (atenção primária). Outros podem demandar serviços com mais tecnologia, como as policlínicas, os Caps e ambulatórios especializados (atenção secundária). Em situações específicas, é necessário atendimento hospitalar (atenção terciária).

A rede pública conta, de acordo com a pasta, com leitos de internação no Hospital São Vicente de Paula (HSVP), no Hospital de Base (HBDF) e no Hospital Universitário de Brasília (HUB). Eem hospitais gerais, são 45 leitos clínicos de saúde mental. 

Lei Antimanicomial

A internação psiquiátrica de pacientes, porém, é outra discussão. O único hospital psiquiátrico da capital, o HSVP, atua de forma irregular há 25 anos, em desacordo com a Lei Distrital nº 975/1995, que deu ao Governo do Distrito Federal (GDF) um prazo de quatro anos para fechar o local. Hoje, mais de duas décadas depois, indivíduos que sofrem de transtornos mentais diversos ainda são encaminhados à instituição, que registrou duas mortes recentemente: Raquel França de Andrade, de 25 anos, em dezembro de 2024, e Eva Silva, 52, em abril deste ano.

"Quando minha irmã voltava da internação, ela tinha medo de falar sobre como era lá, entrava em desespero", relembra Rosilene Silva, de 54 anos. Eva Silva foi encontrada morta no banheiro do HSVP por outro paciente.

Pedro Costa, professor do Departamento de Psicologia Clínica da Universidade de Brasília (UnB), avalia que a lógica de hospitais psiquiátricos é ultrapassada pela Reforma Psiquiátrica e demonstra um abandono pela política de tratamento que deveria existir com outros mecanismos públicos. "A assistência em saúde mental, sobretudo a partir da reforma psiquiátrica brasileira, não se dá somente ou centralizada na internação. Mesmo nos casos que requerem algum tipo de internação, essa medida, segundo preconizam as leis, as portarias e demais documentos, tem que ser feita em hospitais gerais, num sentido e num caráter de curta ou curtíssima duração", destaca.  "Enquanto persistir o hospital psiquiátrico, teremos o que chamamos de circuito psiquiátrico, que funciona como um ímã, reproduzindo uma lógica manicomial que assenta entendimentos de que o cuidado, assistência e atendimento de saúde mental, necessariamente requer não apenas internação, mas internação de caráter asilar manicomial", completa.

Há na Câmara Legislativa do Distrito Federal (CLDF) a Frente Parlamentar de Luta Antimanicomial, que busca fechar o local o HSPV o quanto antes. Ao Correio, o presidente da frente, deputado distrital Gabriel Magno (PT), disse que o grupo fez uma série de recomendações sobre a unidade ao MPDFT. "O pedido foi enviado em janeiro, porém, nem todos foram respondidos pela Secretaria de Saúde (SES-DF). Em maio, estivemos novamente no MP para reforçar essas recomendações e forçar, por parte da secretaria, o calendário de desmobilização dos leitos do HSVP", detalhou.

A Secretaria de Saúde garantiu que está em andamento o Plano de Ação para desmobilização dos leitos psiquiátricos do DF, incluindo os do HSVP. 

Novos espaços

Dos cinco novos Caps que serão construídos, dois serão destinadas ao público infantojuvenil (Capsi), no Recanto das Emas e em Ceilândia, e outros dois ao tratamento em tempo integral de distúrbios causados pelo abuso de álcool e outras drogas, no Guará e em Taguatinga. A quinta unidade será implementada no Gama, acolhendo pessoas a partir de 18 anos que sofrem com transtornos mentais agudos ou crônicos.

As unidades do Recanto das Emas e do Gama funcionarão 24 horas e têm previsão de entrega para outubro de 2025. As outras três avançam em diferentes etapas: o edital de licitação das obras de Ceilândia e de Taguatinga está aberto, em fase de recebimento de propostas, enquanto no Guará os projetos estão na etapa de desenvolvimento.

Como acessar os serviços na rede pública

  • As Unidades Básicas de Saúde (UBSs) desempenham um papel fundamental na saúde mental, atuando como porta de entrada para a avaliação inicial e os encaminhamentos, conforme a necessidade do paciente. 
  • De acordo com a pasta, as unidades contam com equipes multiprofissionais que realizam acolhimento, triagem e direcionamento para serviços especializados, como os Caps e ambulatórios. Além disso, a SES-DF disponibiliza Práticas Integrativas em Saúde (PIS), como acupuntura, meditação, musicoterapia e ioga.
  • Todos os hospitais da rede atendem na emergência e na internação de pacientes em crise, em processo de sofrimento psíquico grave, situações de tentativas de autoextermínio e intoxicações por álcool e drogas para cuidados clínicos e em saúde mental.
  • Em casos de emergência psiquiátrica, as pessoas devem buscar atendimento pelo Samu, UPAs ou prontos-socorros dos hospitais gerais.

Fonte: SES-DF

Procedimentos/Produção dos serviços de saúde mental na rede pública

2017 — 210,5 mil
2018 — 326,1 mil
2019 — 266,2 mil
2020 — 213,8 mil
2021 — 230,5 mil
2022 — 291,6 mil
2023 — 410,3 mil
2024 — 500, 2 mil
2025  —  87,8 mil até 2 de abril

 

 

postado em 16/07/2025 04:00
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