Pesquisa e inovação

Reforma do INPI provoca protestos de servidores e entidades de pesquisa

Mudança em autarquia que trata de propriedade intelectual acumula queixas generalizadas. Fechamento de unidades locais é uma das principais queixas. Enquanto o presidente da autarquia defende modernização, especialista vê prós e contras

Júlio César Castelo Branco Reis Moreira, presidente do INPI: mudanças estruturais serão discutidas, mas fechamento de unidades já está em curso -  (crédito: Divulgação )
Júlio César Castelo Branco Reis Moreira, presidente do INPI: mudanças estruturais serão discutidas, mas fechamento de unidades já está em curso - (crédito: Divulgação )

O Instituto Nacional da Propriedade Industrial (Inpi) conduz, desde agosto de 2024, um estudo interno que pode levar à mudança da natureza jurídica do órgão. A proposta inclui a possibilidade de transformação do instituto em uma agência reguladora ou em uma autarquia especial. A autarquia também realiza uma reestruturação administrativa com o fechamento de unidades regionais e criação de cinco superintendências, uma em cada macrorregião do país.

Segundo a presidência do Inpi, o objetivo é adequar o modelo institucional ao cenário atual da política industrial brasileira, ampliar a presença do órgão em regiões estratégicas, como a Amazônia, por exemplo, e garantir mais previsibilidade orçamentária, modernização e capacidade de resposta técnica.

O presidente do Inpi, Júlio César Castelo Branco Reis Moreira, afirmou ao Correio que o grupo de trabalho foi criado com a missão de avaliar qual seria o "perfil mais adequado" para o instituto. "Não necessariamente definimos que será agência reguladora. Existe um estudo, ainda em elaboração, que aponta possibilidades", explica.

De acordo com Moreira, o Inpi pode permanecer como autarquia federal comum; tornar-se uma autarquia especial; ou adotar o modelo de agência, como ocorre com a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel). "Se for agência reguladora, a diferença é a capacidade e a atribuição de também regular o mercado. O Inpi, na verdade, hoje, faz regulação de acordo com a Lei de Propriedade Industrial, e a gente só quer formalizar essa atuação que nós já temos no mercado, para dar ainda mais transparência às ações do instituto", frisa.

Moreira afirma que, assim que o levantamento for concluído, o debate será aberto à sociedade para mostrar os pontos positivos e negativos a viabilidade ou não, da mudança. "Nós vamos encaminhar para a Procuradoria para análise jurídica, e, tendo o parecer da Procuradoria, vamos encaminhar para o ministério e, provavelmente abrimos uma consulta pública".

O presidente acredita que a transformação jurídica pode ajudar a resolver problemas históricos, como a evasão de servidores. "Nos primeiros quatro anos do instituto, 24% pediram demissão. Entendemos que esse estudo é necessário para colocar o Inpi em outro patamar", avalia.

O presidente do Inpi confirma que o projeto de reestruturação regional, com fechamento de unidades físicas e criação de cinco superintendências, está em andamento. E que a primeira regional a ser criada será em Manaus, com apoio da Superintendência da Zona Franca de Manaus (Suframa) e do Centro de Bionegócios da Amazônia (CBA). "Hoje o Inpi não está presente na região Norte... Um dos pontos é estarmos dentro da região amazônica", argumenta. As demais superintendências serão distribuídas pelas regiões Sudeste, Sul, Centro-Oeste e Nordeste.

Atualmente, o Inpi possui 12 unidades regionais no Brasil. Sobre o fechamento da unidades e o destino dos servidores, ele explica que todos permanecerão lotados em seus estados de origem e continuarão atuando de forma remota. "Eles não serão remanejados... O Inpi está totalmente integrado no Programa de Gestão de Desempenho do governo federal, que permite ao servidor trabalhar presencialmente, semipresencial ou totalmente remoto em casa", ressalta.

A reformulação do Inpi encontra forte resistência. A Associação dos Funcionários do instituto sustenta que o processo está sendo conduzido sem debate público nem diálogo com os servidores. A presidente da entidade, Vânia Golveia Geraidine, afirma que a autarquia já iniciou o desmonte de unidades regionais sem apresentar os resultados do grupo de trabalho criado para discutir o tema. "Ignoraram completamente a associação, que representa os servidores. Foi uma decisão tomada de cima para baixo", protesta.

Segundo ela, unidades como Sergipe já foram fechadas, e outras, como Rio Grande do Sul, receberam ordem para desocupar os espaços até este mês. "Quanto menos unidades funcionando para disseminar a cultura de propriedade industrial e ajudar o inventor, pior fica", critica Vânia Geraidine.

Servidores ouvidos sob a condição do anonimato afirmam que o encerramento das atividades regionais vai prejudicar a articulação local com universidades, ICTs, FAPs, Fiocruz e Embrapa. "Isso não se constrói por e-mail. Precisa de confiança, de presença", observa um dos funcionários da autarquia.

"Fazer exame de patente remotamente é possível. Mas disseminar cultura, orientar pesquisadores, defender inovação local, isso exige contato. A pandemia mostrou o que é possível digitalizar, mas também mostrou os limites", conta.

Entidades protestam 

O estudo técnico conduzido pelo Instituto Nacional da Propriedade Industrial para reformular sua presença territorial e substituí-las por cinco superintendências macrorregionais também desagrada representantes do setor produtivo, universidades, gestores de inovação e órgãos governamentais estaduais. 

Em Minas Gerais, a Rede Mineira de Propriedade Intelectual (RMPI), o Fórum Nacional de Gestores de Inovação e Transferência de Tecnologia (Fortec), a Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais (Fiemg), a Secretaria de Agricultura de Minas Gerais (Seapa-MG) e as Instituições de Ciência e Tecnologia da Bahia (ICTs) alertam que a medida compromete ecossistemas locais de inovação e contraria a política nacional de propriedade intelectual.

Em ofício enviado ao Ministério do Desenvolvimento, a RMPI manifestou preocupação. "A ausência de um ponto de apoio local enfraquecerá a cultura da inovação em Minas Gerais, desestimulando a pesquisa e o desenvolvimento de novos produtos e serviços com viés inovador", alerta a entidade representativa de 32 instituições de pesquisa e inovação.

Já o Fórum Nacional de Gestores de Inovação e Transferência de Tecnologia direcionou sua manifestação ao déficit histórico de pessoal no INPI e à urgência de recomposição do quadro. Segundo o ofício, que, apesar de parabenizar a entidade pela realização do último concurso público, cobra a nomeação dos candidatos aprovados no cadastro reserva.

A Fiemg também se posicionou contra. "O fechamento das unidades regionais do Inpi representará um retrocesso significativo para o país, com impactos negativos que se farão sentir em setores produtivos e inovadores", alertou, em nota.

Na Bahia, um grupo de 15 Instituições de Ciência, Tecnologia e Inovação (ICTs) — incluindo universidades federais e estaduais, institutos de pesquisa e fundações públicas — assinou um manifesto conjunto contra o fechamento do escritório regional. 

Problemas acumulados

O jurista Gustavo Kloh, professor de Direito da Fundação Getúlio Vargas (FGV Rio), avalia que a proposta pode trazer avanços institucionais, mas não enfrenta o principal problema do órgão, que é a lentidão estrutural no processamento dos pedidos. 

Para ele, a alteração só terá sentido se vier acompanhada de medidas concretas de fortalecimento do instituto. "Se o Inpi virar agência, ele passa a ter essa configuração mais contemporânea do tempo atual". Um dos ganhos seria a institucionalização de espaços para diálogo com os setores regulados.

Outro aspecto apontado pelo especialista é o fortalecimento da capacidade normativa. Embora o INPI já possua certo grau de poder regulatório, inda é limitado. "Como agência, ele claramente vai exercitar de forma mais ampliada esse poder de emitir normas sobre esses registros", diz Kloh, referindo-se à regulamentação de processos como concessão de marcas, patentes, modelos de utilidade e softwares.

Segundo o professor, a autonomia de gestão também seria uma das vantagens, pois os dirigentes de agências reguladoras são nomeados e isso pode proteger o órgão de interferências políticas.

No entanto, o professor da FGV pondera que a proposta pode ser uma cortina de fumaça se não vier acompanhada de soluções para problemas históricos do instituto. O mais crítico é o chamado backlog — o acúmulo de tarefas pendentes. "O nosso escritório de propriedade intelectual é um dos mais lentos do mundo, demora anos pra analisar uma patente ou uma marca. E não estamos comparando com os Estados Unidos… o Peru demora três meses! Estamos tomando goleada do Peru", critica.

Kloh também vê riscos na substituição das unidades regionais por cinco superintendências macrorregionais. Embora o avanço da digitalização reduza a dependência do atendimento presencial, o fechamento de unidades físicas pode gerar impacto. "Hoje em dia é tudo eletrônico, mas isso não significa que a presença física seja irrelevante. Ela é importante para articulação com ecossistemas locais de inovação e para garantir a confiança institucional", pondera. 

 

postado em 16/07/2025 03:55
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