ENTREVISTA / LEONARDO MAGALHÃES

Para DPU, acordo no STF sobre fraudes no INSS foi "histórico"

Titular da Defensoria Pública da União faz balanço da gestão e destaca que, com a homologação pelo Supremo para o processo de restituição das vítimas de fraudes no INSS, a partir deste mês, "mais de 9 milhões de pessoas serão beneficiadas"

 Defensor Público-Geral Federal, Leonardo Magalhães -  (crédito:  Ailton de Freitas / DPU)
Defensor Público-Geral Federal, Leonardo Magalhães - (crédito: Ailton de Freitas / DPU)

A Defensoria Pública da União (DPU) tem se consolidado como um pilar essencial na defesa dos direitos dos cidadãos brasileiros, especialmente aqueles em situação de vulnerabilidade. O órgão, juntamente com a Advocacia-Geral da União (AGU), o Ministério da Previdência Social, o Ministério Público Federal e o Conselho Federal, atuou na homologação do acordo com o Supremo Tribunal Federal (STF) para a restituição das vítimas das fraudes do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) a partir do próximo dia 24.

Na avaliação do Defensor Público-Geral Federal, Leonardo Magalhães, esse acordo beneficiará mais de 9 milhões de aposentados e pensionistas que não teriam condição de procurar a Defensoria Pública. "Nosso objetivo foi permitir que esses aposentados e pensionistas, a maior parte, pessoas idosas, pudessem receber o mais rápido possível e que houvesse o ressarcimento de todos", afirma, em entrevista ao Correio. Para o titular da DPU, essa medida foi "histórica".

Magalhães reconhece que a DPU destaca que tem trabalhado para ampliar a presença do órgão e, de 2024 até o fim de 2025, vai registrar "a maior ação de interiorização da história da DPU", totalizando 35 postos. Ao Correio, o titular da DPU faz um balanço da gestão e confirma que tem intenção de se candidatar à reeleição no pleito, que se aproxima em setembro.

Confira, a seguir, os principais trechos da entrevista:

Em relação à fraude no INSS, com a homologação do STF, como a DPU atuará para orientar e garantir que os aposentados e pensionistas sejam efetivamente ressarcidos desses descontos indevidos?

Desde que assumi a DPU, um dos objetivos que elegi aqui foi a solução extrajudicial de conflitos. Nesse intuito de buscar conciliações, temos uma grande parceria com a Advocacia-Geral da União, com o ministro Jorge Messias (da AGU), foi possível trabalhar este tema de solução nacional consensuada. Nosso objetivo foi permitir que esses aposentados e pensionistas, a maior parte, pessoas idosas, pudessem receber o mais rápido possível e que houvesse o ressarcimento de todos. Estamos falando de mais de 9 milhões de pessoas que, eventualmente, não teriam condições de procurar a DPU. Desde o momento em que a Defensoria tomou ciência, em 23 de maio, nos colocamos à disposição da AGU e do INSS para que pudéssemos trabalhar nessa frente que gerou o acordo homologado pelo ministro Dias Toffoli. E isso é importante, porque evita ações judiciais, evita receber por precatório, e esse segurado terá o ressarcimento dos últimos 5 anos, na folha de pagamento. É uma medida histórica. O objetivo é exatamente este: atender pessoas que eventualmente nem saberiam da existência da DPU e que tiveram suas vidas positivamente impactadas com este acordo. A ideia é que possamos seguir avançando com diversos acordos nacionais.

Além do acordo, quais são os maiores gargalos para o acesso efetivo à Previdência e à assistência social, e como a DPU contribui para superar essas barreiras e proteger o
cidadão de golpes?

Trabalhamos na educação em direitos e no acompanhamento da formulação de políticas públicas, participando do Grupo de Trabalho Interinstitucional da Previdência para debater desafios no acesso a benefícios. Para minimizar a não interiorização da DPU em 100% do território nacional, criamos programas, como o DPU nas Cidades e o Território de Tradição e Direitos. Nesses programas, levamos defensores e servidores para comunidades indígenas, quilombolas e ribeirinhas, fazendo uma atuação itinerante para enfrentar o desconhecimento sobre direitos, sobretudo previdenciários. Lançaremos uma plataforma de conciliação previdenciária, em parceria com a AGU e o INSS. O objetivo é a conciliação pré-processual, evitando ações judiciais e permitindo a concessão administrativa de benefícios, começando com o salário-maternidade do segurado especial e do trabalhador rural. Qualquer pessoa pode solicitar um benefício pelos canais oficiais do INSS e entrar com ação no Juizado Especial Federal. Nosso trabalho busca reduzir a judicialização e tornar as políticas públicas mais efetivas para aqueles que mais necessitam, como pessoas negras, em situação de rua, privadas de liberdade, quilombolas, indígenas, idosas e pessoas com deficiência.

O Plano de Interiorização daDPU inaugurou 29 novos postos, expandindo a assistência jurídica gratuita em 12 estados. Quais os principais desafios e benefícios de ampliar a capilaridade da atuação da Defensoria para aqueles que buscam assistência em causas federais?

Quando assumi a DPU, instalei o Plano Nacional de Interiorização da Defensoria Pública. Nós escolhemos, de acordo com o critério de vulnerabilidade, necessidade da população e também adensamento populacional, quais cidades necessitam ter um posto de atendimento da Defensoria. A Constituição determina que a Defensoria deve estar em todo local. A Emenda Constitucional 80, de 2014, fixou um prazo para que a DPU estivesse, até 2023, em todo o território nacional. Infelizmente, ainda não chegamos lá. Os postos de interiorização da Defensoria são parcerias feitas com os governos estaduais e municipais para poder ceder locais para que o cidadão tenha uma porta de entrada e receba aquele atendimento feito por um defensor ou defensora. No fim (deste ano), serão 35 postos que vão cobrir 661 municípios com uma população estimada em 13,2 milhões de pessoas. Então, entre 2024 e 2025, essa vai ser a maior ação de interiorização da história da DPU. O objetivo é tentar buscar maneiras mais eficientes, menos custosas, porque o arcabouço acabou trazendo para a DPU limitações sérias no que se refere ao crescimento das suas unidades. E, a partir desses postos, vamos acessar essa população com foco em direitos básicos: Previdência, assistência, saúde, educação, moradia e regularização fundiária, com recorte específico para pessoas e grupos hipervulnerabilizados. Esperamos continuar contando com o apoio do Congresso e do Executivo para que a Defensoria possa, de fato, cumprir a missão de estar em 100% das subseções judiciárias do Brasil.

No caso dos municípios que não têm acesso a esses postos ainda, o atendimento é feito de
maneira remota?

No fim do ano passado, lançamos o Núcleo Nacional de Interiorização em Saúde para dar cumprimento ao Tema 1234 do Supremo, que trata da federalização da saúde e da repartição de competências entre os entes políticos. Hoje, naqueles locais onde tem a unidade ou um posto de atendimento, é o posto que fica responsável. Nos outros onde não tem uma sede da Defensoria, a demanda é encaminhada para a nossa central em Brasília, que é o Núcleo Nacional de Interiorização em Saúde. Ali, defensores, servidores e colaboradores vão prestar assistência na área da saúde federal. Com essa alteração, o STF repartiu as competências entre a Justiça Federal e a Justiça Estadual, criando alguns critérios. Um deles foi que a Defensoria pudesse fazer esse atendimento para aquelas localidades onde a gente não tem. E, no ano passado, também lançamos o Programa Nacional de Enfrentamento à Violência Política de Gênero.

Em relação às pessoas hipervulneráveis, as comunidades tradicionais estão sendo diretamente afetadas pela crise climática. Como a DPU atua na defesa dos direitos dessas comunidades?

No ano passado, quase 95% do Rio Grande do Sul foi atingido pelas enchentes e a Defensoria, em parceria com a AGU e, depois, outros órgãos federais e estaduais, lançamos o programa Caravana de Direitos da Reconstrução Rio Grande do Sul. Esse programa teve como foco fazer atendimento imediato aos deslocados ambientais, que foram vítimas das enchentes nas cidades e na área rural. Esse atendimento foi o maior feito pela DPU. Foram mais de 52 mil famílias, foram gerados mais de 63 mil processos administrativos e, desses processos, mais de 80% chegaram a uma conciliação com a União. Desses processos, apenas 2 mil viraram ações judiciais. Nesse meio tempo, também no ano passado, enfrentamos secas na Amazônia, incêndios no Mato Grosso e no Mato Grosso do Sul, que atingiram desproporcionalmente as comunidades indígenas, e a DPU está lá para trazer esse olhar específico das necessidades dessa população.

Como vocês estão se preparando para a COP30, buscando amplificar a voz e garantir a pauta dessas comunidades no debate ambiental, especialmente considerando a relação profunda entre direitos humanos e justiça climática?

O que temos percebido ao longo dessa atuação e nós vamos levar para a COP30 é a importância de o Brasil criar um plano de atendimento à população nas emergências climáticas. Vamos levar essa necessidade de o Estado brasileiro ter um plano ordinário de atendimento à população que é impactada pelas emergências climáticas. A ideia é exatamente que a Defensoria sempre tenha esse olhar para a população, para a necessidade da população, porque as emergências climáticas estão aí, são realidade e infelizmente vão continuar e vão piorar, e o Estado precisa ter uma resposta ágil. A caravana mostrou como foi possível a gente unir órgãos públicos federais e estaduais juntos para prestar um atendimento integral para a população. As Forças Armadas montaram tendas para viabilizar o atendimento, e houve uma resposta conectada do Estado. E a desburocratização também é importante. Mas precisamos ser também efetivos e temos tentado buscar isso por meio dos nossos grupos nacionais de trabalho.

Quais os maiores desafios jurídicos que essas comunidades enfrentam para manter seus territórios e modos de vida, e como a Defensoria atua para garantir a segurança fundiária e o respeito às suas culturas?

Ano passado foi a primeira vez que a DPU participou com uma tenda de atendimento no Acampamento Terra Livre. Neste ano também participamos. O objetivo foi levar conhecimento de direitos para essas populações, porque, quando a gente fala de populações indígenas, quilombolas. Nós estamos falando da luta pelo reconhecimento da terra. A Defensoria atua diretamente nesses processos de reconhecimento de território, nós vamos atuar, tanto na área administrativa, no processo de reconhecimento que hoje está a cargo do Ministério da Justiça, como também judicialmente. Estamos atuando no Supremo, dentro da comissão especial sobre o marco temporal. No ano passado, um acordo foi celebrado pela DPU, pela AGU, e pelos ministério da Igualdade Racial e dos Direitos Humanos, reconhecendo o território quilombola das comunidades de Alcântara, no Maranhão. Isso é um problema histórico do Brasil. O presidente Lula teve o objetivo de tentar pôr fim a esse conflito a partir da mediação, e aí a Defensoria entrou.

Outra crise são as guerras ao redor do mundo, e o Brasil é um país muito procurado para refúgio e migração. Como vocês ajudam essa população, facilitando o acesso à Justiça?

A Defensoria tem um grupo de trabalho chamado Grupo de Trabalho Nacional de Migrações, Refúgio e Apatridia, que tem por objetivo desenvolver essas ações juntamente com o grupo de trabalho de assistência a vítimas de tráfico de pessoas. Uma das principais ações que desenvolvemos em relação ao acolhimento de migrantes começou em 2017, com a participação da Defensoria, muito antes de a Operação Acolhida ser instituída. E a Defensoria tem atuado em diversas frentes, tanto judiciais como extrajudiciais, para permitir que os direitos dessas pessoas sejam reconhecidos no país, por exemplo, essa questão voltada à facilitação do reconhecimento e validação de diplomas e documentos para permitir essa integração. Criamos canais específicos de denúncia, de violações de direitos, de encaminhamento dessas pessoas.

Em meio à atuação da Defensoria, este ano terá a eleição da DPU. Como está a sua preparação para essa eleição? O senhor vai tentar se reeleger?

Eu acredito que avançamos muito nesse ano e meio. O mandato de Defensor-Geral é de dois anos. Eu devo, sim, me candidatar. As eleições acontecem, agora, no início de setembro. O objetivo é que a gente possa avançar ainda mais nessas políticas de acesso das pessoas vulnerabilizadas. Então, vou ser candidato novamente. Estamos bastante confiantes para continuar fazendo esse trabalho, que tem gerado frutos concretos para a população brasileira. O objetivo nosso é cumprir o que determina a Constituição e que os direitos sejam concretizados.

*Estagiário sob a supervisão de Rosana Hessel

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postado em 15/07/2025 03:59 / atualizado em 15/07/2025 17:58
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